A necessária participação das ONG’S na defesa do Meio Ambiente

Obra de Chistian Spencer
Foto: Ana Marina Martins de Lima

Por: Dr José Leonidas/ MPF

O Brasil é qualificado, logo no artigo 1º da Constituição Federal, como um Estado Democrático de Direito, prevendo-se, no parágrafo único, que esse poder será exercido por intermédio de representantes ou pela forma direta (1).

Tal determinação, estando inserida no artigo inaugural da Constituição, evidencia que o sistema democrático brasileiro tem por base não apenas o sufrágio universal, por meio do qual são eleitos representantes da sociedade para compor o Poder Legislativo e dirigir o Poder Executivo das três esferas governamentais, mas também a participação direta dos cidadãos, por meio de instrumentos legalmente previstos.

O modelo democrático adotado pelo Constituinte caracteriza-se pelo seu viés participativo, evidenciado pela incorporação, na chamada “Carta Cidadã”, de diferentes mecanismos que possibilitam a cooperação direta de diversos setores da sociedade na elaboração de políticas públicas e no controle estatal. Assim, sua atuação é expandida para além da mera escolha de seus representantes, complementando a forma representativa da democratização. Sobre esta inovadora inserção de diversas oportunidades de participação direta do cidadão na política governamental, afirma José Luiz Quadros Magalhães (2):

“Isso nos leva mesmo a conceber uma compreensão mais abrangente dos direitos políticos que deixam de ser somente direitos de participação no poder do estado através das estruturas concretas dentro do próprio Estado, como o voto, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, passando a ser entendido como direito de participação numa sociedade onde não apenas a escolha dos governantes e legisladores seja aberta à participação popular, mas onde a sociedade como um todo seja democratizada, substituindo a autocracia das empresas, dos bancos, das fábricas, das comunicações, dos órgãos públicos, repartições públicas, por uma forma democrática de gestão aberta à participação da sociedade democraticamente organizada.” (g.n.)

Esse é também o entendimento de Paulo Sérgio Novaes Macedo (3):

“Assim, o sistema democrático adotado pela Constituição buscou criar mecanismos em complemento às instituições representativas tradicionais, incorporando na dinâmica política da sociedade civil, organizada em suas entidades e associações, maior e mais efetivo controle social, além de dar dimensão mais real e mais efetiva à prática democrática.”

Conclui-se, pois, que o direito à participação social no desenvolvimento de políticas públicas no Brasil configura uma conquista da sociedade que se consolidou com a Constituição de 1988, em um claro avanço do modelo democrático meramente representativo para uma democracia pautada pela participação social. Essa participação há de ser concreta, real e efetiva, não apenas formal. Aliás, no concernente à concretude da participação dos cidadãos nos processos decisórios é importante registrar os ensinamentos de Gomes Canotilho (4) :

“2. O princípio democrático-normativo como princípio complexo.  Só encarando as várias dimensões do princípio democrático (propósito das chamadas teorias complexas da democracia) se conseguirá explicar a relevância dos vários elementos que as teorias clássicas procuravam unilateralmente transformar em ratio e ethos da democracia. Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa – órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação dos poderes. Em segundo lugar, o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.”

A participação da sociedade civil nas gestões e tomadas de decisões em questões ambientais é sediada, como se viu, em nossa Constituição, e é de tamanho relevo, nesta seara, que é classificada como um dos princípios estruturais do Direito Ambiental ( 5). Frise-se que a Declaração do Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, reafirmando a importância e a obrigação da participação popular nas questões do meio ambiente, a adota também como princípio:

10.“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.”

Como bem realça Álvaro Luiz Valery Mirra (6):

 “A Agenda 21 de fato consagrou todo um capítulo – capítulo 27, – ao fortalecimento do papel das ONGs, como parceiras para a obtenção do desenvolvimento sustentável. De acordo com o disposto no mencionado Capítulo 27, as ONGs desempenham papel vital na formulação e na implementação da democracia participativa, devendo a sociedade, os governos e os organismos internacionais desenvolver mecanismos formais capazes de permitir a participação daquelas em todos os níveis, tanto na formulação de políticas, quanto na tomada de decisões, e, ainda, na implementação de umas e outras.”

Essa participação direta da sociedade na discussão e fomentação das questões atinentes ao meio ambiente adquire um caráter primordial por duas razões bastante lógicas. A primeira é o fato de que o direito que se discute e quer proteger – o meio ambiente sadio – pertence à própria sociedade. Conforme elucida Paulo Afonso Leme Machado (7):

“A Constituição, em seu art. 225, deu uma nova dimensão ao conceito de meio ambiente como bem de uso comum do povo. (…) O Poder Público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna -, mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão. A aceitação dessa concepção jurídica va i conduzir o Poder Público a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civi l na gestão dos bens ambientais e a ter que prestar contas sobre a utilização dos bens ‘de uso comum do povo’ , concretizando um ‘Estado Democrático e Ecológico de Direito’ . ” (g.n.)

Pelo que, ninguém mais legitimado para defender o seu interesse do que o seu próprio titular.

A defesa desse direito fundamental então, prima facie, deve ser efetuada na forma da participação direta, o que inclusive dá maior efetividade à regra Constitucional do art. 225

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

E a melhor forma para que a sociedade exerça esse direito da tutela ambiental é aquela que até hoje foi a mais eficiente no seu desenvolvimento: a união de forças. Em consequência, são as organizações não Governamentais constituídas com o propósito de defender unicamente o meio ambiente, sem, portanto, capitanear outros interesses que com ele se conflitam (político, econômico e classista), e que necessitam ser ponderados, para que se encontre a medida exata, a fim de termos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A segunda razão da importância das ONG’S não Governamentais participarem dos foros do meio ambiente vai além da sua legitimidade como titular do direito do meio ambiente sadio. Consiste na sua obrigação de defesa deste patrimônio, oriunda da sua criação e razão de existir. Elas atuam, sob pena de se voltarem contra a sua própria natureza, de forma independente e em prol da promoção de interesses exclusivamente ambientais.

Leia-se, a propósito, ensinamentos de Álvaro Mirra (8):

“As organizações não governamentais ambientalistas, via de regra, apresentam-se constituídas na forma de associações civis ou fundações, configurando entidades privadas sem fins lucrativos, cuja finalidade institucional está relacionada à defesa do meio ambiente. Sua relevância, na matéria, decorre, primordialmente, do fato de serem entes criados espontaneamente no seio da sociedade, pela vontade e iniciativa diretas de indivíduos e cidadãos, desvinculados do estado e livres de qualquer tipo de controle estatal, destituídos, ainda, de conotação classista ou corporativa, já que defendem interesses de classes ou categorias profissionais específica, mas a qualidade ambiental como direito ou interesse de todos (9). Bem por isso, apresentam, normalmente, maior potencial de mobilização social e de articulação para a defesa da causa ambiental (10).

Com essas características, as ONG’S ambientalistas devem estar presentes de forma direta nos Conselhos Populares, que discutem e normatizam o meio ambiente, sob pena de manifesta agressão à institucionalização da democracia participativa (11)”.

Assim é que para o melhor desenvolvimento dessa função bifronte (12), a atuação coletiva torna-se um eficaz mecanismo para que as ONGs não só cumpram a missão de defesa, mas também exercitem o direito de cobrar do Estado o seu direito ao meio ambiente sadio.

“Os indivíduos isolados, por mais competentes que sejam, não conseguem ser ouvidos facilmente pelos governos e pelas empresas. Os partidos políticos e os parlamentares não podem ser considerados os únicos canais das reivindicações ambientais (13). (…)”

Inconteste portanto, que a participação direta da sociedade na elaboração das políticas públicas ambientais em qualquer uma de suas fases – propositura, discussão, deliberação e execução – é albergada no direito positivo pátrio e estrangeiro. Pois “Em relação às Políticas Públicas, desde a sua decisão, até sua concretização devem poder ser acompanhadas por seus destinatários, que, assim, poderão efetuar o controle necessário dos atos estatais e até mesmo da sociedade civil organizada que atue em cooperação com o Estado na execução das políticas”(14).

A ausência desta participação ou mesmo a sua mitigação ou a sua coaptação de modo a torná-la meramente formal e ineficaz, além de comprometer a qualidade da decisão, a macula com déficit democrático e entre nós a fulmina com o vício da inconstitucionalidade por manifesta infringência ao art. 225 da C.F.

REFERÊNCIAS:

1.Constituição Federal, “Art. 1º : A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.“ (g.n.)

2.MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Os Direitos Políticos. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, 1992, out./dez., ano 29, n. 116, p. 54.

  1. MACEDO, Paulo Sérgio Novaes. Democracia Participativa na Constituição de 1988. Blog do Paulo Novaes: 2011.
  2. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Editora Almedina, 3ª edição, p. 282.
  3. MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 16ª ed., p. 95.
  4. Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente, pág 130, 1ª Edição, São Paulo, Letras Jurídicas, 2011.

7.Direito Ambiental Brasileiro, 16ª edição, São Paulo: Malheiros, (s.a.), p. 127.

8 Op. cit., p. 129.

9 Mirra, Álvaro Luiz Valery, Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente, cit., p. 146, Ação civil pública em defesa do meio ambiente: a representatividade adequada dos entes intermediários legitimados para a causa, cit., p. 43, Associações civis e a defesa dos interesses difusos em juízo: do direito vigente ao direito projetado, cit., p. 118. Ainda Fiorillo, Celso Antonio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p.54.

10 Loureiro, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política, cit., p. 122-123.

11 “Essas entidades civis, como anota Claude Lambrechts, desempenham papel essencial, não só por traduzirem uma importante demanda social como, ainda, por constituírem verdadeiro contraponto ao exercício do poder, corrigindo o ou redirecionando-o. Por essa razão, as associações civis são consideradas indispensáveis à transparência e à transmissão de informações e à implementação de processos democráticos de decisão, assumindo, nesse campo, a condição de interlocutoras privilegiadas nos procedimentos de negociação, consulta e participação na gestão do meio ambiente (Lambrechts, Claude. L’accéss à la justice des associations de défense de l’environnement em europe occidentale. In PRIEUR, Michel; Lambrechts , Claude (Org.). Les hommes et l’environnement: quels droits pour le vingt-et-uniéme siécle?: études em hommage à Alexandre Kiss. Paris: Frison-Roche, 1998.p.409.

12.Expressão usada por Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 477, 2ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada.

  1. Ensinamentos de Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 16ª Edição, São Paulo, Malheiros, (s.a.), p. 95.

14 Smanio, Gianpaolo Poggio e Patrícia Tuma Martins Bertolin, organizadores, O Direito e as Políticas Públicas no  Brasil, p. 11, Editora Atlas, 2013


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