Sustentabilidade em bancos, uma experiência pessoal

Por: Hugo Penteado (1)

Este texto foi sugerido após questão da Renata Quadros, do Grupo Sustentabilidade Brasil capitaneado por Julianna Antunes em fevereiro de 2019

Pano de fundo Antes de começar a falar sobre sustentabilidade em banco, seria interessante contar um pouco sobre minha formação e seu posterior entrelaçamento com sustentabilidade. Eu decidi fazer Economia por influência do meu pai, que fazia gráficos históricos da população com suas réguas de engenheiro e contava a história de Malthus. Da minha mãe ganhei o apreço pelas pessoas de qualquer origem, natureza e animais, inclusive insetos. Ela era voluntária na FEBEM e no Hospital Emílio Ribas com pacientes terminais de AIDS. Lembro de em Santos quando ela encostava o carro para brigar com policiais que batiam em adolescentes sempre de periferia. Ela era advogada não praticante.

Quando cheguei no curso de Economia eu acreditava ser possível achar pistas de como ajudar a sociedade e a preservação da natureza, completamente esgarçados. A desigualdade social sempre foi algo que me incomodou muito. No entanto me desapontei logo no primeiro ano com a Introdução à Macroeconomia. Foi quando no primeiro ano fiz a seguinte constatação: “Os economistas excluíram duas variáveis dos seus modelos, as pessoas e a natureza, só “isso” (poderia escrever um livro sobre como a teoria “ocultou” essas variáveis). Era próximo de um colega de classe super inteligente de quem fiquei muito amigo, Marcelo Tsuji ( 2) e contei meu espanto para ele e perguntei: “Alguém deve ter percebido isso antes de mim, não é possível que só eu tenha percebido isso.” Ele respondeu com seu jeito japonês tímido de sempre: “Leia Nicholas Georgescu Roegen.” Foi um caminho sem volta .

A partir de então compreendi que a teoria econômica era uma teoria falsa e que isso levará a humanidade a um colapso ambiental irreversível e em pouco tempo. Não só ambiental, social e econômico também. O vetor de mudança sempre será o ser humano, enquanto a ênfase cega na parte ambiental por parte de certos ambientalistas ignora justamente o ser humano. Num evento na Febraban anos atrás disse: “Só há salvação econômica se houver salvação ambiental. E só há salvação ambiental, se houver salvação social.” A correção do problema ambiental começa pela inclusão do ser humano no processo em todas as suas esferas. O ser humano precisa ser empoderado e não emasculado ou ter apagada sua feminilidade, como já foi feito. Os sinais desse processo são assombrosos: é a crise ambiental e social que vivemos.

Perdi as contas de palestras que dei quase nunca sem cobrar (3) , pelo banco onde trabalhei, e por convites que recebi. Dei entrevista para Marília Gabriela, para o Paulo Henrique Amorim, organizei uma curadoria sobre Economia Ecológica no Espaço Cultural CPFL, TEDxAmazônia e outras tantas (4). Enfim, meu elo com sustentabilidade vem da descoberta de Georgescu, considerado pai da Economia Ecológica. Mas esse elo embora tenha trazido um forte embasamento teórico, teve poucos resultados concretos, pelo menos no âmbito profissional. No pessoal mudou muito minha vida. Eu virei vegetariano, deixei de voar de avião e substitui quase todo meu uso do carro pela bicicleta e mudei meu consumo para tentar uma vida simples (5) .

Cruzamento com a minha atuação no banco e o período de sonho com sustentabilidade

Nada do nosso conhecimento de Economia Ecológica (1987 até hoje) foi usado quando comecei a trabalhar em bancos de 1984 até 2016. Mas tivemos algumas experiências interessantes pontuais que poderiam ser vistas como o início dessa mudança, mas não foram. Em 1998 Fábio Barbosa ascendeu como presidente do ABN AMRO Brasil, instituição que comprou o Banco Real. Naquela época, Fábio, junto com seu amigo, Guilherme Leal da Natura, capitanearam o foco das empresas e bancos pela sustentabilidade. De alguma forma meus conhecimentos de Economia Ecológica cruzavam com a sustentabilidade daquele tempo. Comecei a fazer várias palestras sobre o tema pelo banco e fiz duas palestras na Natura. Em uma delas me mandaram buscar de helicóptero, pois como era numa cidade vizinha de São Paulo, estava sem tempo para aceitar o convite (figura 1). Com as colaboradoras da empresa a adesão à minha palestra foi fantástica, mas com a diretoria da Natura fui duramente questionado sobre o “erro do crescimento econômico num planeta finito e qual seria a solução.” Na época eu só sabia apontar o problema, só hoje considero a solução bem óbvia, mas não parece fácil de ser aceita pelo mainstream. Os diretores estavam muito preocupados em aumentar as vendas e lucros dos acionistas e não viam como fariam isso sem crescimento econômico. Eu devolvia com a seguinte indagação: “Por outro lado, como crescimento econômico significa colapso ambiental, como essas metas de lucros sobreviveriam a isso?” No final eu era o maluco que pregava o fim do crescimento econômico, por ser uma teoria falsa e uma impossibilidade física, mas esse maluco existiu bem antes de mim e sua crítica nunca foi refutada. Georgescu

Figura 1 – helicóptero da Natura vindo nos buscar no prédio do Banco Real na Paulista (23/10/2006)

Esse entrelaçamento levou o banco a ter financiado a publicação do meu livro. O convite foi feito após uma palestra na AMCHAM (6 ) em 2002, por Miguel Lazuli dono da Editora Lazuli. O livro surgiu assim: um contato da AMCHAM me ligou para convidar para palestrar sobre o cenário do novo governo Lula em 2003 com outros quatro economistas ilustres do mercado e eu seria um deles (o lanterninha). Por conta das eleições, eu estava trabalhando 18 horas por dia, sem condições de ir e para não dizer não ao convite dela, perguntei se eu poderia definir o assunto. Ela disse que sim. Então eu disse que ia falar sobre Economia Ecológica. Para surpresa minha, pensei que ela ia descartar, mas ela aceitou e ainda comemorou (?!?). Fiz a palestra por último, nenhum dos economistas famosos me deram a mão depois da minha fala e quando deram as costas para mim, o contato da AMCHAM veio até mim e disse: “Uau, nunca imaginei que você ia falar uma coisa dessas. AMCHAM quer que você publique um artigo.” O apoio sempre vem de quem a gente menos espera. Miguel Lazuli viu o artigo de 33 páginas publicado no site e veio pessoalmente me pedir para eu escrever um livro sobre o assunto. Assim nasceu o livro “Ecoeconomia – Uma nova Abordagem.” Tanto meu chefe como o Fábio Barbosa bancaram minhas férias imediatas e eu fui para Itatiaia, no Bairro Núcleo Colonial, na casa de uma amiga, escrever o livro Ecoeconomia Uma Nova Abordagem (7). Passei 34 dias completamente sozinho.

Figura 2 – um slide da minha palestra

Com uma tiragem de 3.000 exemplares, os livros eram dados aos clientes (8). Nesses dias do livro, começou a guerra do Iraque e teve um acidente ambiental com derramamento de produtos químicos num rio próximo de Itatiaia que atingiu gravemente sete municípios da região. Só justificou o meu livro: dois horrores durante a minha escrita, uma guerra que vai matar civis por causa do petróleo depois da provável farsa do ataque terrorista contra as Torres Gêmeas (9) e pessoas de sete cidades sem água limpa para beber ou produzir alimentos.

Eu fiquei exultante quando a história de sustentabilidade começou em 1998 e várias pessoas eram convidadas para dar palestras e os funcionários assistiam documentários revolucionários como “Corporation”. Gro Bruntland, do relatório Nosso Futuro Comum da ONU de 1987, visitou o Banco Real e palestrou para todos nós. Eu mesmo fazia palestras aos funcionários (figura 2), clientes e a diretoria de sustentabilidade dirigida pela Maria Luiza Pinto (Malu) era considerada biodegradável (10) pelo Fábio. Essa diretoria era composta de dezenas de funcionários e reportava diretamente ao presidente. Eu estava presenciando uma transformação importante, que com certeza parecia atender os clamores dos cientistas e evitar o pior. Fui também em várias escolas, universidades, dei palestras na Folha e no Estadão para jornalistas. Ou seja, o objetivo era transmitir às pessoas os conhecimentos de economia ecológica e sustentabilidade para que pudessem tratar desse assunto em todas as suas esferas de atuação e provocar uma mudança real. Tudo isso com o apoio do banco.

Em 2002, o diretor da minha área me chamou para transferir um convite que tinha recebido para mim. Você vai em meu lugar no debate do Estadão que vai entrevistar o Lula. Foi uma surpresa e decidi fazer uma pergunta relacionada à Economia Ecológica. Não consegui encontrar a transcrição do debate nem no meu computador nem na internet, mas a pergunta que fiz foi mais ou menos a seguinte: “Prezado Sr. candidato Lula, gostaria de saber se o Brasil será capaz de implementar um modelo econômico que não sacrifique nossas florestas e nossos ecossistemas assim como fizeram os países mais avançados e se isso não servirá de exemplo para o resto do mundo. Manifesto minha preocupação claramente com a Amazônia.” Ele se levantou e me entregou um encarte do seu programa só sobre a Amazônia mas não deu uma resposta satisfatória, mas saí de lá seguro que pelo menos havia plantado essa preocupação nele (figura 3).

Alguns fatos curiosos e o fim do sonho

O Banco Real herdou do ABN AMRO o patrocínio à fórmula 1 (figura 4). Eu fui fazer uma palestra para clientes em Porto Alegre. Sempre fazia uma palestra dobrada: cenário econômico brasileiro e internacional e depois economia ecológica e sustentabilidade. Muitas pessoas percebiam a bipolaridade das minhas palestras, porque na primeira a única variável importante para os mercados financeiros era um próspero crescimento econômico, ao passo que na de Economia Ecológica a proposta era a revogação do crescimento econômico, por ser a causa do colapso planetário e uma impossibilidade física, além de ser uma teoria econômica falsa (12). No final dessa palestra um senhor muito distinto me abordou e me disse: “Eu sou presidente da maior agência de publicidade do Rio Grande do Sul e também de uma ONG ambiental. Gostaria que você encaminhasse essa pergunta para o Fábio Barbosa: “O que o patrocínio da fórmula 1 tem a ver com sustentabilidade? ” Quando sentei na minha escrivaninha no banco no dia seguinte foi o primeiro email que escrevi. Fábio Barbosa encaminhou para o diretor de comunicação e marca para que ele se posicionasse e ele respondeu defendendo o patrocínio da Fórmula 1 como sendo de elevado interesse de todos, como desenvolvimento social e econômico, exemplo de superação, etc.. Barbosa respondeu da seguinte forma: “O cliente e o Hugo têm razão e esse patrocínio será desfeito.” E foi! Uau, comemorei. Mas depois que o Santander assumiu o banco, o patrocínio da Fórmula 1 voltou com tudo, pois era uma marca do banco em Madrid.

Na verdade comecei a perceber uma separação real e preocupante entre a teoria e a prática. Em algum momento ficou claro que não só não trazia resultados, como virou um custo apenas. Não estou atrás de culpados, mas de fatos. O empenho do Fábio Barbosa foi genuíno, mas poucos resultados práticos e concretos podem ser citados. Isso não é um problema particular, do caso em questão, mas geral. O conceito de sustentabilidade não foi absorvido e o “business as usual” parece ter continuado como única fórmula para maximizar os lucros dos acionistas no curto prazo. Esse objetivo está equivocado e parece impossível de ser atingido sem dividir os lucros com a sociedade e com a preservação do meio ambiente. Se isso for verdadeiro, como acreditamos que seja, explica bem a dificuldade da implementação de medidas concretas de sustentabilidade no âmbito dos negócios. Portanto, se algum freio Fábio Barbosa sofreu, ele veio dessa concepção dos negócios que ele não teria o poder de mudar e para isso acontecer precisaria de muito mais gente nas suas posições ainda confortáveis pressionando para isso.

Figura 4 – Fórmula 1, lâmpadas com mercúrio no lixão comum e uso de plástico para guarda-chuvas

Eu recebi uma denúncia e encaminhei para as áreas pertinentes sobre um banco ser financiador da indústria de óleo de palma, um dos maiores vetores de destruição das florestas tropicais da Indonésia, com enorme prejuízo da biodiversidade do planeta. Mas esse banco, caso seja mesmo o financiador, ele não é o único responsável. As indústrias de alimentos e cosméticos são consumidoras de óleo de palma, por ser barato. Essa monocultura é assustadora. Isso ainda não foi detido, mas o elo final também são os consumidores dos produtos que têm como ingrediente o óleo de palma. Então, na hora que formos apontar um culpado, seria bom começar por nós mesmos.

Figura 5

As canecas e os copos plásticos nunca deram em nada. Isso foi um fracasso retumbante. Um funcionário da diretoria de sustentabilidade fez uma conta que o consumo de copos plásticos do banco enfileirados cobririam a Avenida Paulista. Esse mesmo dado assustador eu li num outro relatório quando descobri o colapso dos aterros sanitários de Nova Iorque: só a rede McDonald´s dessa cidade produz diariamente lixo do tamanho do Empire State Building. A campanha contra os copos plásticos e adesão às canecas terminou da seguinte forma: no meu departamento logo eu passei a ser o único dos quatro gatos pingados em 80 que usavam canecas. A justificativa para abolir o copo plástico é que cada um consumia 12 litros de água para sua produção e lavar a caneca com periodicidade consumiria muito menos, sem falar do efeito “anabolizante” do descarte desse plástico na natureza. Quando vi o fracasso retumbante, escrevi para o Fábio e pedi a ele que proibisse os copos, já que as pessoas não aderiam. Ele respondeu o seguinte: (6 ) “primeiro que a decisão tinha que ser dos funcionários, segundo que o banco por legislação sanitária e presença de visitantes de fora não poderia banir completamente “ e, para surpresa minha, ele mesmo era obrigado a usar por questões de segurança por ser presidente do banco. Eu pensei: como fazíamos antes sem essa invenção, copos plásticos não tem nem 20 anos, acho! Tudo justifica tudo que há de pior nesse mundo e a gente fica que nem cachorro correndo atrás da cauda. Lamentei.

Uma outra proposta que fiz era a alta diretoria não ter mais SUVs mas carros elétricos pequenos. Nunca foi para frente. Na verdade como eu me tornei um ciclista urbano e inclusive fui filmado pela Globo News, fui personagem do livro “Como Viver Sem Carro em São Paulo” (figura 4(13), passei a ser o retrato de uma pessoa que ia para o trabalho de bicicleta, bem antes das ciclovias do Haddad. Fiquei famoso no banco por conta disso. Eu não sabia da importância do carro dentro da elite dos funcionários, até ouvir as seguintes falas: “Hugo, invejamos você, eu não posso nem sonhar vir de ônibus, a pé ou de bicicleta para o banco, porque na minha área vão considerar isso um fracasso, vão olhar torto para mim, eu tenho de chegar de carrão, símbolo de sucesso.” E eu respondia: “Então reinventaram o significado da palavra fracasso. Eu saio do banco a qualquer hora no final da tarde e sempre chego em casa em apenas meia hora invariavelmente, pode ter chuva forte, pode ter jogo de futebol, pode qualquer fatalidade e meu tempo de chegada é uma constante. Pode chamar isso de fracasso então.” Carro é puro status, a maioria ainda financia, enquanto a mentalidade não mudar de uma forma geral, esse tipo de tragédia social continuará.

Mais recentemente fui informado que a outrora diretoria de sustentabilidade do Fábio começou a ser reduzida, deixou de ser uma diretoria ligada à presidência e está hoje no organograma ligada à Diretoria de Comunicação, Marca e Marketing. De dezenas de funcionários, essa diretoria que desidratou para uma simples gerência tem um número bem menor de funcionários, contados nos dedos. Mas muito antes disso acontecer, várias pessoas que trabalhavam verdadeiramente com a sustentabilidade, se desapontaram com essa área e resolveram buscar outro meio de atuação. Vários colaboradores valorosos. Lembro do Marcelo Michelsohn, que trabalhou diretamente com Fábio Barbosa, hoje numa ONG. Conversávamos muito e escrevemos juntos um artigo em resposta ao desafio da revista The Economist: “Do we need Nature?” (14). Ele fazia viagens à Holanda para discutir sustentabilidade e aí descobrimos mais um crédito ao Fábio Barbosa: Brasil era vanguarda em sustentabilidade, não Holanda. Michelsohn me contava que a discussão da sustentabilidade sempre parava quando a ideia do crescimento econômico era criticada. Na Holanda eles sabiam que o erro estava aí, mas não sabiam como abordar isso com os acionistas. Não sabem até hoje. Os acionistas querem crescimento dos lucros e para isso precisam do crescimento do PIB que chamam erradamente de econômico. Com isso os acionistas não vão ter o que querem, esse crescimento irá levar a um colapso econômico e planetário num prazo bem mais curto que imaginávamos. Quem estão ameaçados não são as gerações futuras, termo que até caiu em desuso, mas são as gerações viventes, as atuais. Quando veio a crise de 2008, Michelsohn me telefonou e disse: “Acho que você estava certo quando disse que a crise econômica viria antes da planetária e de repente seria a salvação.” E eu respondi: “Nem lembrava que tinha pensado nisso, pode ser, mas a força dos bancos centrais com a sua pirotecnia monetária pode criar rapidamente uma nova miragem. Não sei mais qual crise vai acontecer primeiro ou se não vão ser conjuntas.”

O programa papa-pilhas foi descontinuado e um alto diretor do banco, sem eu perguntar nada, comentou comigo que isso estava sendo feito porque a estrutura do banco acabou se tornando o maior arrecadador de pilhas do Brasil e não há estrutura para reciclagem nem de 1% desse material. Sabe sinceramente quando você não quer acreditar no que está ouvindo, foi esse o momento. Então embora o banco arrecadasse esse material, no final dava no mesmo? Ele inclinou a cabeça para baixo. Esses momentos se repetiam. Um dia recebi um e-mail de um engenheiro da cidade do Rio de Janeiro com a seguinte solicitação: “O custo da árvore de Natal na Lagoa de Freitas é de vários milhões de reais e eu preciso de uma parcela bem menor desse montante para limpar a lagoa que está completamente poluída. Será que o banco não pode optar pela limpeza da lagoa ao invés da sua iluminação artificial?” Aquela foi a maior árvore de todos os anos, com vários passantes de carros queimando gasolina para vê-la. O argumento é que o apelo comercial da árvore é muito maior do que o da limpeza da lagoa. Para piorar, como fui inadvertidamente envolvido no assunto dessa árvore, a área da mídia do banco, sabendo que eu era amigo de um grande jornalista, pediu para que conseguisse o apoio dele para essa árvore. Bom, tive que ligar para ele e ouvi quase palavrões no que ainda me azucrinou por eu trabalhar em banco. Um dia tempos atrás ele havia me dito que eu provavelmente seria o único “banqueiro” que iria para o céu. Eu corrigi: “Banqueiro não, sou bancário.” Ele desligou o telefone rapidamente de tão impaciente que ficou e eu liguei para a assessora e disse: “Acho que ele vai pensar no caso, mas não posso fazer mais nada, vocês tem que falar diretamente com ele, anota o telefone.”

Em 2010 assumi a área de investimentos responsáveis do meu departamento, junto com a função de economista chefe. Em inglês tinha a pomposa sigla SRI regulada por outra sigla o PRI ou UN-PRI15. Já estava eu na fase de total descrédito dessas ideias, pela falta de resultados palpáveis, mas mesmo assim abracei a causa de tentar pelo menos tornar o SRI uma realidade entre os gestores e investidores. Nossa área de gestão de fundos de investimentos apenas montava produtos financeiros para os clientes do banco e o SRI era um deles. Cabia ao banco vender nossos produtos e nós executarmos todos os seus procedimentos necessários. Eu cuidava então da análise econômica e da análise de investimentos responsáveis que, combinado com outros departamentos, como a análise de empresas, análise de crédito, gestão de fundos, área comercial, de risco e de produtos, formavam toda a estrutura necessária para atender os clientes do banco. Na verdade, a análise SRI era de fato feita pelo Fábio Guido, excelente analista de empresas e que cuidava dessa parte para mim e eu apenas acompanhava.

De cara comecei a estudar o assunto e cheguei numa crítica de Paul Hawken de 2004. Por essa crítica ele apontava falhas monumentais do SRI: em primeiro lugar ele cita uma comunidade de agricultores orgânicos que levam seus produtos para uma feira, mas cujo critério de definição do que era orgânico era determinado separadamente por cada produtor. A confirmação desse critério individual também era feita pelo próprio produtor. Hawken pergunta: “Vocês conseguem imaginar que exista um mercado que funcione desse jeito? Existe, o SRI. Não há metodologia única, cada empresa de gestão ou bancos tem sua própria metodologia”. No caso do Brasil as empresas de gestão pertencem aos bancos, então cada banco tinha a sua metodologia própria. SRI tem esse problema até hoje: a metodologia é criada pelo gestor ao seu deleite e prazer e quem confirma se a sua metodologia própria está sendo seguida é ele mesmo. E ainda dizem que esse é o mercado que mais cresce no mundo. Hawken comparou duas carteiras do Dow Jones, a de sustentabilidade e a convencional. No seu texto ele põe duas listas de empresas que compõem os dois índices e pergunta a leitor: qual delas é a de sustentabilidade? Você olha e vê duas listas praticamente iguais. Uma falácia.

Comecei então a me sentir como um pato nadando na lama sem poder ir para lugar algum. Fui até o PRI e apresentei essa crítica, escrevi, telefonei, palestrei, mas nada adiantou. Tudo ficou como era antes. Os questionários do PRI que vão para os gestores não tem confirmação externa das respostas nem auditoria. Foi quando eu me rebelei de duas formas: em primeiro lugar expliquei à diretoria de sustentabilidade que SRI é mérito dos clientes, não do banco, e que não poderia ser considerado uma ação de sustentabilidade nos relatórios específicos. Não adiantou. Depois, quando fiscalizavam minhas respostas, questionaram meus dados: como assim SRI só representa 0,25% de tudo que é administrado nos fundos? E eu mandava documentos confirmatórios e ainda explicava: não sou eu o responsável por esses dados, mas a área de produtos e com base nas informações dos fundos obrigatoriamente divulgados junto aos reguladores, das quais não tenho acesso algum. Não posso inventar dado. Aproveito para perguntar porque o SRI não é vendido aos clientes do banco, telefonamos e pedimos sugestão de fundos, dei todas as pistas que queria algo mais ligado à sustentabilidade e os atendentes não mencionaram nosso SRI. Não deveria ser uma política do banco para fortalecer essa prática? Ou o SRI é apenas um porta-retrato? Bom, a novela não acaba aí, não só o SRI tinha falhas metodológicas estruturais como minguava e não era apoiado por nenhum dos meus colegas da área de investimentos, de quem costumávamos ouvir com frequência que “sustentabilidade é coisa de v…..”.

Se a função do SRI era mudar a política das empresas para melhorar as condições sociais e ambientais, a metodologia era muito falha nessa direção. Para piorar vários estudos da FGV não conseguiram identificar nenhum acréscimo de rentabilidade desses fundos em relação às formas tradicionais de investimentos e isso era também uma constatação internacional. Ou seja, todo um trabalho falta ser feito de forma bastante técnica para formular uma metodologia única para todos, universal, como é a análise de desconto de fluxo de caixa das empresas e após isso obter um resultado diferenciado de longo prazo para os investidores e ser um produto universal nas gestoras de investimentos. A conclusão é que a metodologia torna investimentos normais em SRI sem realmente sê-los e funciona para tirar o peso da consciência dos investidores, mas sem ganho socioambiental algum na prática. Eu pedi para meu chefe transferir o SRI para a área de análise de empresas e isso foi feito. Voltei a ser só economista-chefe.

Um dia um estudante com um trabalho de conclusão de curso em mente sobre crédito socioambiental me ligou perguntando se eu poderia conversar com ele sobre isso. Eu disse que conhecia o responsável por essa área e que ficaria muito feliz em marcar uma reunião nós três, até para eu aprender sobre esse assunto. Nessa reunião enquanto o especialista falava sobre crédito socioambiental que cobria todas as operações de crédito no banco eu parei na seguinte etapa constrangedora da conversa. O aluno fez uma pergunta inteligente: “Quantas operações de crédito do banco foram vetadas pela análise de crédito socioambiental?” O responsável disse: “Três, uma delas não pela questão ambiental em si, mas mais pela questão da imagem e de não ser viável economicamente.” Uma usina rasante hidrelétrica famosa na Amazônia. “Mas quantas operações de crédito o banco faz todos os anos?” Milhões. Bom, eu comecei a ir para outra dimensão nessa hora. Se todos esses processos são feitos, mas sem nenhum resultado palpável, ao contrário, segue incólume a deterioração das variáveis críticas, como é possível ninguém perceber isso? (figura 6).

Figura 6 (16 )

CONCLUSÃO

A base teórica da sustentabilidade são as descobertas científicas do pai da Economia Ecológica Nicholas GeorgescuRoegen. A base prática da sustentabilidade são o decrescimento e a permacultura, com uma mudança radical da mentalidade das pessoas e do paradigma econômico, condição sine qua non para impedir nosso desaparecimento da Terra. As finanças sustentáveis deveriam migrar e promover essas atividades práticas ligadas a esses conceitos, onde a primazia da igualdade social defendida tanto pelos liberais clássicos (e por Marx também) seria um objetivo importante. Não há sociedade saudável com o nível atual de concentração de renda e riqueza em todas as economias. Não dá mais para ocultar os problemas que estão bem diante dos nossos olhos: a chave do nosso sucesso depende da mudança geral do nosso conjunto dos valores com a contenção da expansão das nossas atividades econômicas e do tamanho das nossas populações (de humanos e animais domesticados). São necessários o fim do desperdício, a mudança de hábitos, o melhor tratamento de lixo, redução drástica de poluição e resíduos, mas atacando esses problemas na raiz e não na consequência. Precisamos de uma total remodelação da nossa sociedade e economia com base em tecnologias moldadas não para gerar lucros nas mãos de poucos, mas para gerar estabilidade planetária e social. É urgente, temos cada vez menos tempo para implementar vidas mais simples e mais completas para nossa existência. Temos que abandonar o crescimento do PIB como única meta maníaca e precisamos revogar as ideias falsas dos economistas, como por exemplo, todas as benesses sociais (ou empregos) dependem do crescimento do PIB. Muito importante separarmos as causas das consequências e atacar as causas. A dimensão socioeconômica só será sustentável ambiental e planetariamente se mudarmos esse sistema linear destrutivo (extrai, produz, consome, descarta), degenerativo (introduz uma quantidade colossal de materiais degenerativos no solo, ar e água) e infinito ou sujeito a crescimento exponencial infinito (a cada virada no ano, a quantidade de bens adicionadas ao estoque é maior do que foi visto em 100 anos e assim sucessivamente até esgotar qualquer espaço para qualquer adição ou causar um colapso gigantesco). O sistema tem que mimetizar a natureza que é o sistema maior do qual dependemos e tem que ser circular, regenerativo e finito. Não é o planeta que é um subsistema da economia, mas sim a economia que é um subsistema do planeta. Temos que revogar a crença que os economistas defendem em suas teorias falsas, que não há limites ecológicos para a expansão econômica e que a economia pode ser maior que a Terra. Além de considerarem o sistema econômico neutro para a natureza. Somente com a revogação desse absurdo teremos então a base de uma sustentabilidade verdadeira e concreta.

Observações

1 Tomei todo o cuidado para apresentar os fatos sem ser na forma acusatória, apenas pelo que foram e não por um julgamento de valor ou de intenções das pessoas citadas. Acredito sim que houve uma série de boas intenções, mas muitas vezes elas não se concretizam por fatores alheios à nossa vontade. A avaliação desses fatores pode ser importante para nosso mister de sustentabilidade.

2 Tsuji escreveu uma resenha sobre meu livro publicado no Estadão em 14 de março de 2004. Eu escrevi a resenha do livro do Ricardo Arnt “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade” publicada no Jornal Valor em 27 de agosto de 2010. Na resenha, o economista que mais me intrigou foi o Antonio Delfim Netto. Ele indiretamente declara que esse assunto não o preocupava porque ele não estaria vivo para ver. Ou é isso mesmo ou ele pensava num colapso só após um tempo geológico, não corroborado pela ciência. Os livros do N.G.Roegen encontrei na biblioteca do Delfim e ele publicou uma resenha a favor do meu livro, além de ter conhecido pessoalmente Georgescu.

3 Só recebi pequenas quantias em três ou quatro ocasiões em centenas de palestras.

4 As referências a essas entrevistas são: https://www.youtube.com/watch?v=b56cQU3MEkg, https://globosatplay.globo.com/gnt/v/1346338/, https://www.youtube.com/watch?v=rz4Zvs0vv0s,http:// https://www.youtube.com/watch?v=RfFnSp4fa94, https://globosatplay.globo.com/gnt/v/1346338/.

5 Quando Santander comprou o Banco Real, meu local de trabalho ficou distante de onde eu morava. Tentei ir de ônibus mas rapidamente migrei para bicicleta com a ajuda de voluntários. Fui filmado indo ao trabalho pela Globo News. Naquela quinta-feira o cinegrafista e equipe chegaram crentes que a viagem seria cancelada porque estava chovendo, mas foi quando disse que tinha uma capa de chuva para ele também. Eu saí no livro “Como Viver em São Paulo Sem Carro” de 2014 (ver figura 5). 6 Câmara de Comércio Americana.

11 Fonte: acervo do Estadão

12 Tenho muitas histórias, a do TEDxAmazônia, minha ida à Reserva Extrativista da Juréia com a Marina Silva, etc. Se eu começar a escrever não paro mais. Mas quem sabe esse texto não vire o meu novo livro? Alguns clientes do banco perguntavam como eu com esse pensamento consegui trabalhar em um banco. E eu respondia: “Como que um banco mantém alguém com esse meu pensamento. Esse é um ponto positivo. Acredito que o banco percebeu que precisa de pessoas que pensam fora do senso comum.” No fundo, essa é a saída dessas instituições em crise, mas para isso elas precisam também mudar seus paradigmas, metas e valores. Isso ainda não aconteceu.

13 http:// https://www.amazon.com.br/Como-Viver-S%C3%A3o-Paulo-Carro/dp/8591380231

14 Nós precisamos da Natureza? Eu e o Michelsohn começamos a nossa resposta apontando o absurdo da pergunta.

15 SRI – Socially Responsible Investment ou investimentos socialmente responsáveis; UN-PRI – United Nations – Principles of Responsible Investment ou Nações Unidas – Princípios de Investimentos Responsáveis.

16 Fonte: http://www.sustentabilidadecorporativa.com/2019/01/o-que-o-relatorio-de-sustentabilidade.html, blog de Julianna Tavares.

Post Scriptum

Dedico esse texto a todas as pessoas do Grupo Sustentabilidade Brasil e do Grupo Sustentabilidade em Foco, pelo prazer de conhecer tanta gente interessada em realmente mudar o mundo e de labutar corajosamente nessa seara ainda tão pouco aceita da nossa realidade ambiental, social e planetária. Firmes nesse propósito, acredito que cada um, ao executar como podem suas tarefas, a mudança poderá um dia surgir e deixar um mundo melhor para os que chegaram depois de nós e assim sucessivamente. E que assim seja. Com amor e muita boa vontade, sem perder a esperança, focando o que há de positivo nessa jornada.