Editado por Ana Marina Martins de Lima/ Ambiente do Meio

Aqui apresento parte da Nota Técnica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo intitulada: Impactos da Incineração de Resíduos Sólidos Urbanos
O Estado de São Paulo apresenta-se como o maior gerador de resíduos do país, aproximadamente 14 milhões de toneladas são geradas por ano (TCE, 2021). Dentre os 645 municípios do estado, 388 (64,2%) possuem algum tipo de programa de coleta seletiva (SNIS, 2020), mas apenas 287 (44,5%) asseguram a oferta do serviço para todos os bairros da cidade (TCE, 2021).
Este cenário revela que a cobertura dos programas de coleta seletiva nos municípios do Estado de São Paulo ainda tem muito a avançar. Ademais, estima-se que no estado apenas 360 mil toneladas de resíduos são recuperadas, através de 280 unidades de triagem e 12 unidades de compostagem (SNIS, 2020), um valor extremamente baixos em relação ao volume total de resíduos produzidos.
Em conformidade com os dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos – SINIR, relativos ao ano de 2019, verifica se o seguinte cenário sobre a massa de resíduos sólidos urbanos gerados no estado de São Paulo:
Assim, apenas 3,4% da massa dos resíduos sólidos urbanos do estado de São Paulo é destinada à coleta seletiva, dos quais um percentual ainda menor de materiais é efetivamente reinserido na cadeia produtiva.
Este panorama evidencia a necessidade de aprimoramento dos programas de coleta seletiva no Estado para que haja ampliação e melhoria na prestação desse serviço, através de investimentos e efetiva priorização de políticas de reutilização, reciclagem e compostagem, diante da importância social, econômica e ambiental dessas atividades.
É no contexto de demandas por maior organização do poder público, da esfera privada e da sociedade civil, com a finalidade de implementar programas de coleta seletiva que surgem os debates sobre a incineração de resíduos.
Contudo, discute-se a adesão aos projetos de incineração como uma forma de tratamento, sem que tenha havido sequer a estruturação mínima dos programas de coleta seletiva no Estado, revelando-se uma inversão na ordem hierárquica de ações prioritárias que devem ser estabelecidas para a gestão e o gerenciamento dos resíduos.
No Estado de São Paulo, a temática da incineração encontra-se regulamentada pela Resolução SMA-079 de 4 de novembro de 2009, que estabelece diretrizes e condições para a operação e o licenciamento das atividades de tratamento térmico de resíduos sólidos em Usinas de Recuperação de Energia (URE).
As Usinas de Recuperação de Energia (URE) são compreendidas como qualquer unidade dedicada ao tratamento térmico de resíduos sólidos, com atendimento as especificidades da resolução, com recuperação de energia térmica gerada pela combustão. Ao definir quais resíduos poderão ser encaminhados a estas unidades, a
resolução assim dispõe:
“Artigo 3º – Poderão ser encaminhados para a Usina de Recuperação de Energia – URE os seguintes resíduos:
I – resíduos sólidos provenientes do sistema público de limpeza urbana (resíduos
provenientes da coleta regular, tanto domésticos como comerciais, de varrição,
podas, limpeza de vias e outros logradouros públicos e de sistemas de drenagem
urbana); (SÃO PAULO, 2009).”
Também nesse sentido a Resolução SMA nº 38 de 2017 (SÃO PAULO, 2017) estabelece diretrizes e condições para o licenciamento e a operação das atividades de recuperação de energia proveniente do uso de Combustível Derivado de Resíduos Sólidos Urbanos CDRU em Fornos de Produção de Clínquer. A referida norma define Combustível Derivado de Resíduos Sólidos Urbanos como um preparado a partir de resíduos sólidos urbanos, com ou sem incorporação de resíduos sólidos industriais não perigosos, para ser utilizado na recuperação energética em coprocessamento em fornos de clínquer.
A base do combustível tem origem nos resíduos sólidos urbanos, compreendidos pelo texto da resolução como o conjunto de resíduos domiciliares e de limpeza urbana. Diante desse contexto, verifica-se que as referidas disposições normativas se opõem aos objetivos da PNRS e PERS, resultando na queima de materiais que poderiam ser reutilizados, reciclados ou compostados. Por fim, sabe-se que historicamente já foram implantados incineradores no estado de São Paulo, tais como o Incinerador de Pinheiros, em 1949, da Ponte Pequena, em 1959 e Vergueiro, em 1967, mas todos foram desativados com fundamento nos altos custos de instalação e manutenção, no desatendimento das necessidades locais, nos impactos negativos desses empreendimentos sobre a saúde e meio ambiente da vizinhança, entre outras motivações (CAODAGLIO; CYTRINOWICZ, 2012, apud Núcleo de Pesquisa em Organizações, Sociedade e Sustentabilidade – USP 2022).
Sendo assim, verifica-se que muito embora a prática de incineração de resíduos sólidos urbanos encontre respaldo normativo junto ao estado de São Paulo, isso não afasta a hierarquia de ações estabelecidas na PNRS, com priorização das condutas de não geração de resíduos, redução, reutilização e reciclagem, em detrimento da incineração.
Outras questões consideradas no documento:
O documento alerta ainda para o impacto socioeconômico onde a incineração se apresenta como uma prática contrária à valorização do trabalho desenvolvido historicamente por catadoras e catadores de materiais recicláveis, eis que esta modalidade de tratamento de resíduos sólidos, através da queima dos resíduos, exclui as atividades de coleta, triagem e comercialização de materiais recicláveis que são desenvolvidas por esses/as trabalhadores/as e considera a questão de saúde humana e impacto no meio ambiente:
“Dentre as diversas substâncias geradas no processo de incineração, algumas são classificadas como Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), componentes que podem desencadear sérios danos à saúde humana, bem como ao meio ambiente, com contaminação de outras espécies animais e de recursos naturais (solo, águas, ar). Esses poluentes, denominados pops, possuem como características a semivolatividade (evaporam lentamente e podem ser transportadas pelo vento), a persistência (permanecem no ambiente com resistência à degradação química e biológica), a bioacumulação (concentram-se nos tecidos dos organismos acumulando-se através das cadeias alimentares) e a toxidade (causam sérios problemas à saúde, como câncer, malformações, disfunções nos sistemas reprodutivos, etc.) (CETESB, 2022). São produtos químicos tóxicos que possuem decomposição extremamente demorada, permanecendo no meio ambiente e acumulando-se tanto na cadeia alimentar quanto nos organismos vivos, popularmente denominados como “substâncias químicas eternas” (PARLAMENTO EUROPEU, 2022).
Na dimensão da saúde humana, a exposição às dioxinas e aos furanos podem desencadear lesões na pele, alterações no fígado, danos aos sistemas imunológico, nervoso, endócrino, afetando ainda funções reprodutivas e associando-se ao desenvolvimento de câncer (CETESB, 2022).
Também já foram identificadas em diferentes espécies de animais, como peixes, pássaros e porcos, o desenvolvimento de doenças e anormalidades em decorrência da exposição a esses poluentes (PARLAMENTO EUROPEU, 2022).
Além das problemáticas acima apresentadas, a incineração de resíduos sólidos urbanos também resulta na produção de gases que contribuem para o aumento do efeito estufa, revelando-se uma prática em desconformidade com as ações de combate às mudanças climáticas (MNCR, 2012).
Leia os documentos:
