Chegamos ao momento decisivo e o mundo está de olho em Belém

Coletiva de imprensa com o secretário-geral da ONU, António Guterres, na COP30, em Belém do Pará, em 20 de novembro de 2025.

Bom dia.

António Guterres, secretário-geral da ONU, durante coletiva de imprensa na COP30 em Belém do Pará, diante do logotipo da Conferência sobre Mudanças Climáticas.
Foto: Kiara Worth

Gostaria de expressar minha profunda gratidão e apreço ao presidente Lula por sua notável liderança – e à Presidência brasileira, que não está medindo esforços para garantir o sucesso dessa COP. Nos últimos dias, me reuni com líderes globais, ministros, negociadores, povos indígenas, sociedade civil e jovens de todas as regiões. Uma coisa é clara: chegamos ao momento decisivo e o mundo está de olho em Belém. As comunidades na linha de frente da crise climática também estão observando — contando casas inundadas, colheitas perdidas, meios de subsistência perdidos…E perguntando: quanto mais teremos que sofrer? Elas já ouviram desculpas suficientes. Elas exigem resultados. Após décadas de negacionismo e adiamento por parte de muitos, a ciência nos diz que um aumento temporário acima de 1,5 grau – começando, no máximo, no início da década de 2030 – tornou-se inevitável.

Sabemos o que isso significa: mais calor e fome; mais desastres e deslocamentos e um risco maior de ultrapassar os pontos de inflexão climáticos – causando danos irreversíveis, inclusive aqui na Amazônia.

Mas ainda podemos reduzir as temperaturas para menos de 1,5 grau antes do final deste século.

Se agirmos agora para tornar esse aumento o menor, mais curto e mais seguro possível.

Essa missão começa aqui, em Belém: apelo fortemente a todas as delegações para que demonstrem disposição e flexibilidade para alcançar resultados que protejam as pessoas e mantenham a meta de 1,5 grau viva; um resultado justo – concreto em termos de financiamento para adaptação, confiável em termos de redução de emissões, viável em termos financeiros. Isso exige compromisso e consenso. Exige coragem. Nenhuma delegação sairá de Belém com tudo o que deseja… Mas todas as delegações têm o dever de chegar a um acordo equilibrado.

Em primeiro lugar, sobre a proteção das pessoas:

Para milhões de pessoas, a adaptação climática não é um objetivo abstrato. É a diferença entre reconstruir e ser varrido; entre uma nova colheita e passar fome; entre permanecer na sua terra ancestral ou perdê-la para sempre. As necessidades de adaptação estão disparando – e o excesso de emissões as elevará ainda mais. No entanto, o compromisso dos países desenvolvidos de dobrar o financiamento para adaptação este ano está se esvaindo. É essencial triplicar o financiamento para adaptação até 2030. O Fundo de Perdas e Danos — aberto para negócios, mas ainda praticamente vazio — deve ser capitalizado e ter seu acesso facilitado. Apelo a todos os financiadores – parceiros bilaterais, fundos climáticos e Bancos Multilaterais de Desenvolvimento – para que se mobilizem e evitem novas tragédias. Trata-se de sobrevivência. Trata-se de justiça. E, para os povos indígenas, trata-se também de proteger as culturas e as terras que sustentam os ecossistemas vitais do nosso planeta.

Segundo: cortes nas emissões

Dez anos após o Acordo de Paris, avançamos – mas não o suficiente. O Relatório do PNUMA sobre a Lacuna de Emissões mostra que as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – mesmo que totalmente implementadas – nos colocariam em um caminho bem acima de 2 graus de aquecimento global. Isso é uma sentença de morte para muitas pessoas. Esses planos nacionais devem ser um piso, não um teto. Precisamos agir muito mais rapidamente, com uma redução drástica das emissões. A revolução das energias renováveis torna isso possível: a energia limpa nunca foi tão barata e abundante; impulsionando o crescimento e protegendo as famílias e as economias dos mercados voláteis de combustíveis fósseis. Com o apoio certo, é essencial que a maioria dos países atinja o pico das emissões agora, reduza-as pela metade nesta década, alcance o zero líquido até 2050 e passe a ter um saldo negativo depois disso.

O Princípio das Responsabilidades Comuns, Mas Diferenciadas, se aplica.

Mas todos os países – especialmente os grandes emissores – devem fazer mais. E o mundo deve iniciar uma transição justa, ordenada e equitativa para nos afastar dos combustíveis fósseis – conforme acordado na COP28 em Dubai.

É uma necessidade climática – e um teste de estabilidade econômica, segurança energética e governança responsável. Devemos acabar com as distorções do mercado que favorecem os combustíveis fósseis.

Devemos combater a desinformação que busca atrapalhar a transição energética.

Mas os governos devem apoiar os trabalhadores e as comunidades que ainda dependem do carvão, do petróleo e do gás – com treinamento, proteção e novas oportunidades. Saúdo os apelos por um mecanismo de transição justa – e a crescente coalizão que pede clareza sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis. E peço aos países que garantam que o resultado de Belém coloque em prática uma transição justa que esteja alinhada com um mundo de 1,5 grau. Acelerar o ritmo também significa investir em infraestrutura e atender à nova demanda por eletricidade com energia limpa — incluindo o aumento impulsionado pela Inteligência Artificial. É por isso que tenho defendido uma nova Coalizão Global sobre Redes, Armazenamento e Eletrificação — para que a energia limpa chegue a todas as pessoas, em todos os lugares, e se torne a escolha padrão. Também devemos reduzir drasticamente as emissões de metano nesta década — usando medidas comprovadas e acessíveis. Por fim, e extremamente importante, é imperativo deter e reverter o desmatamento até 2030 – para que a natureza continue sendo nosso escudo, e não uma vítima.

Terceiro, sobre finanças

Nada disso pode acontecer sem financiamento previsível, acessível e garantido. Precisamos de um caminho confiável para alcançar a Meta Financeira de Baku: com os países desenvolvidos liderando a mobilização de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035; e um caminho claro para atingir US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Regras mais simples devem permitir que os países mais vulneráveis obtenham apoio rapidamente. Pensando além da COP, o custo de capital para as economias em desenvolvimento deve cair drasticamente – por meio de financiamento preferencial, garantias de dívida e instrumentos inovadores. Sabemos que os orçamentos são limitados – mas o sistema financeiro pode desbloquear e multiplicar os recursos disponíveis para alcançar um impacto muito maior. Os bancos multilaterais de desenvolvimento devem desempenhar um papel decisivo. Eles precisam ser maiores, melhores e mais ousados, permitindo-lhes aumentar significativamente sua capacidade de empréstimo e alavancar o financiamento privado com rapidez e escala. O que tem faltado é a vontade política para tomar as decisões necessárias. Se a arquitetura financeira internacional não conseguir atender a este momento, a reforma se torna uma necessidade, não uma opção.

Caros membros da imprensa, Antes de partir para a reunião do G20 na África do Sul, permitam-me dizer algumas palavras diretamente aos ministros e negociadores: por favor, empenhem-se, em boa fé, para chegar a um compromisso ambicioso. 1,5 graus deve ser a sua única linha vermelha. Esta é a hora da liderança. Sejam ousados. Sigam a ciência. Coloquem as pessoas à frente do lucro. E, por favor, não tirem os olhos da linha de chegada. Obrigado.

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