Análise crítica e proposta de solução
Por: Ian Libardi Pereira / publicado em jus.com.br
A situação do Parque Nacional do Itatiaia é crítica. Os ambientalistas (que ignoram os fatos históricos) não estão satisfeitos, a União possui uma Unidade de Conservação irregular, os proprietários dos imóveis abrangidos pela ampliação sequer podem intervir em seu próprio imóvel. É de se presumir que o ICMBio não irá autorizar qualquer alteração na área.
O Parque Nacional do Itatiaia foi criado durante o governo de Getúlio de Dornelles Vargas, em 14 de junho de 1937, por meio do Decreto Federal nº 1.713, que transformou a “Estação Biológica de Itatiaia” em Parque Nacional, com a finalidade de proteger a natureza, atender às finalidades científicas e turísticas. Portanto, desde a origem do Parque Nacional do Itatiaia, foram delimitadas as suas finalidades.
Ressalta-se que a área original do Parque Nacional era de 11.943 hectares, até que em 20 de setembro de 1982, durante a gestão do governo de João Figueiredo, em plena decadência do sistema ditatorial, foi publicado o Decreto Federal nº 87.586, que ampliou a área do Parque Nacional do Itatiaia para 30.000 hectares. Aspecto aparentemente positivo como medida preservacionista, ocorreu,contudo, sem diálogo com a população local, expressão notória da ausência de democracia, fato que originou o conflito existente.
Dentro do perímetro delimitado no decreto de 1982, ocorreu a abrangência de locais já urbanizados e regularizados perante a municipalidade, com população tradicional em muitos locais, como colônias agrícolas, vilas e assim por diante. Com esse fato, nasceu um conflito, pela indiferença ou talvez desatenção do governo federal da época, quando diversos imóveis regulares e legais perante o sistema legal vigente passaram a ser, de um dia para o outro, irregulares, ao menos perante o Governo Federal.
A designação de profissionais qualificados,como geógrafos, geólogos, engenheiros e outros, era postura fundamental para evitar o conflito hoje reinante na região do município de Itatiaia, pois bastaria delimitar a ampliação do parque considerando a urbanização do entorno, o que não foi feito,apesar de ser óbvio. Da mesma forma, a ocorrência de audiências públicas permitiria a participação popular, com a intervenção e a manifestação da população local e poderia ter causado uma condução totalmente diversa da ampliação do Parque Nacional do Itatiaia. Infelizmente, nenhuma dessas ou de outras iniciativas foram tomadas, até mesmo a desapropriação, que deveria ter sido procedida, não ocorreu.
Hoje nos defrontamos com o seguinte quadro: mais de 200 residências e 5 hotéis, localizados em 1000 hectares[1], que representam apenas 3% do Parque Nacional[2], que é uma Unidade de Conservação que não permite tal possibilidade. Trata-se de mais um fato dos diversos que colocam em cheque a seriedade das instituições e normas brasileiras
Passados seis anos da sua ampliação,com a promulgaçãoda Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que concedeu novo olhar ao meio ambiente, o Parque Nacional passou a ser “bem de uso comum do povo”, restando ao Poder Público, ainda, definir, de acordo com o inciso III, § 1º, art. 225 da nossa Carta Magna, “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos”.
De forma mais célere que a habitual, o Poder Legislativo regulamentou o § 1º, do art. 225 da Constituição Federal no ano 2000, por meio da Lei Federal nº9.985, de 14 de julho de 2000,e instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A referida norma levou novo panorama às áreas de especial proteção ao meio ambiente, em especial, sobre as unidades de conservação.
A lei que instituiu o SNUC dividiu as Unidades de Conservação em duas espécies (art. 7º), de Proteção Integral e de Uso Sustentável. O § 1º do art. 7º determina que as Unidades de Conservação de Proteção Integral possuam a finalidade de “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.” Já as Unidades de Conservação de Uso Sustentável possuem as finalidades descritas no § 2º do art. 7º, qual seja, “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.”
Considerando que os Parques Nacionais são unidades de conservação de proteção integral, conforme o art. 8º, III, do SNUC, vejamos suas funções.
O art. 11 da lei sob análise determina a função dos Parques Nacionais:
Art. 11.O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.”
Percebe-se que não há qualquer menção àpossibilidade de existirem habitações ou propriedades privadas em Parques Nacionais, sendo certo que o § 1º do mesmo artigo põe uma pedra sobre o assunto:
“§ 1º O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.”
Aí nasce outro reflexo do conflito fundiário ainda existente, pois as desapropriações nunca ocorreram, mesmo após a consolidação do SNUC. Destarte, pode-se afirmar que a norma não foi adequadamente utilizada/elaborada para sanar o conflito existente no Parque Nacional do Itatiaia que persiste sem solução.
O referido conflito provavelmente não ocorrerá em outros locais, uma vez que o artigo 22 e seus parágrafos, da Lei do SNUC[3], regulamentou a forma de criação das unidades de conservação, vejamos:
Art. 22.As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.
§ 1º(VETADO)
§ 2ºA criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.
§ 3º No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.”(grifo nosso)
Infelizmente a criação e a ampliação do Parque Nacional do Itatiaia não foram realizadas conforme os dispositivos mencionados. Continua difícil, tendo em vista que o § 7º, do art. 22 da lei Federal nº 9.985/2000, determina que a “desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.” Portanto, a mesma somente pode ocorrer, em tese, por meio de processo legislativo, com trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Para tanto, é necessária uma mobilização popular intensa concomitante a uma articulação institucional bem manejada, associada à vontade de políticos para que realizem e votem um projeto de lei para desafetar parte do Parque Nacional do Itatiaia, com a finalidade de regularizar o conjunto de mais de duzentos imóveis em uma área que é urbanizada há mais de cinquenta anos, sem qualquer finalidade ambiental.
Outra possibilidade seria transformar o Parque Nacional do Itatiaia em Monumento Natural, porquanto, dessa forma, seria possível manter as “áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários” (§ 1º, art. 12 da Lei do SNUC). Recordamos que os objetivos básicos dos monumentos naturais são “preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.” Essa foi uma das razões da criação do Parque Nacional do Itatiaia, logo, é possível realizar a transformação em Monumento Natural.

Nota editora importante para reflexão maior
Conflitos Fundiários em Unidades de Conservação: Estudo de Caso da Parte Baixa do Parque Nacional do Itatiaia de autoria de: Aparecida dos Santos Andrade1, Alessandra Rezende Pereira2,Geraldo Majela Moraes Salvio1 & Wanderley Jorge da Silveira Junior1
REPERCUSSÃO DO “MANIFESTO PELA INTEGRIDADE DO PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA”
Importante ver também as publicações no Instragram da Associação Amigos de ITATIAIA, há uma sequência de documentos e depoimentos dos moradores bem como uma petição com mais de 4 mil assinaturas.
Justiça Federal decide que ICMBio não pode desapropriar áreas para Unidades de Conservação – artigo publicado em 2007 por: Antonio Fernando Pinheiro Pedro onde o autor destaca:
Decisão do juiz:
JUIZ FEDERAL PAULO PEREIRA LEITE FILHO
5010 – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO
44 – 0102271-35.2016.4.02.5109 (2016.51.09.102271-4) (PROCESSO ELETRÔNICO)INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO (PROCDOR: JOSE ALFREDO BARROS DA SILVA NETO.) x HFP.
SENTENÇA TIPO: C – SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO REGISTRO NR. 000448/2016 .
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JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO 1a Vara Federal de Resende
JUIZ (A) FEDERAL PAULO PEREIRA LEITE FILHOAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO
Nº 0102271-35.2016.4.02.5109 (2016.51.09.102271-4)TIPO DE SENTENÇA: C – EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO
SENTENÇA:
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO propõe AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO, para fins de proteção de espaço territorial de interesse ambiental, em desfavor de H.F.P. . Requer liminarmente imissão na posse do imóvel, mediante depósito do valor de avaliação, dentre outros requerimentos relacionados ao objeto da ação. No mérito, pede a transferência dominial do bem para seu nome, mediante a expedição dos competentes mandados translativos ao Cartório de Registro de Imóveis onde se encontra matriculado o imóvel.
Relata não ter havido acordo amigável com o proprietário do imóvel, conforme demonstram as informações prestadas pelos analistas ambientais do Instituto Chico Mendes, em processo administrativo que tramitou para a finalidade expropriatória. Informa, também, a realização de avaliação oficial, tendo sido atribuído aos imóveis o valor total de R$ 378.935,81 (trezentos e setenta e oito mil novecentos e trinta e cinco reais e oitenta e um centavos), englobando terra nua e benfeitorias, atendendo o referido Laudo aos padrões gerais e especiais para técnicas de avaliação.
É o relato do necessário, passo a decidir.
O feito deve ser extinto sem resolução do mérito, por ser o autor carecedor do direito de ação, por ilegitimidade ativa e falta de interesse processual de agir…No caso presente, não há previsão legal que confira ao ICMBIO, autarquia federal, competência para desapropriar_ tampouco para promover desapropriação. Nem o § 1º do artigo 11 da Lei 9.985/2000 nem a autorização da Presidência do ICMBIO para o ajuizamento da ação de desapropriação lhe conferem tais prerrogativas…….A afirmação do ICMBIO no sentido de que “o Decreto de criação do Parque Nacional é a autorização para desapropriação dos imóveis privados no seu interior, sem estar sujeito à caducidade” (g.n.) também não encontra amparo legal…Por todo o exposto, INDEFIRO a petição inicial e, por via de consequência, DECLARO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução do mérito, com espeque no inciso I e VI do artigo 485 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015).
As autarquias são isentas……..ASSINADO DIGITALMENTE
PAULO PEREIRA LEITE FILHO
Juiz Federal Titular”
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