Por: Antonio Nobre
Adicionando clima, água e sintropia à restauração dos biomas
Uma nova oportunidade está se abrindo no horizonte do plantio de árvores e da restauração ecológica em geral. Os poderosos efeitos que a vegetação tem nos ciclos de água e energia, e, portanto, no próprio clima, podem formar uma sinergia com a restauração funcional da biodiversidade, levando, em última instância, ao restabelecimento de um ambiente amigável e abundante. Listo aqui alguns benefícios biogeofísicos cruciais para o clima da restauração da vegetação nativa:
1. Absorção de carbono em ambientes úmidos
Esforços de reflorestamento e de recuperação de ecossistemas tendem a girar em torno do paradigma do carbono, como se apenas a remoção de carbono da atmosfera pudesse reparar ou corrigir o desequilíbrio climático.
As plantas são, sem dúvida, importantes na remoção de CO2 do ar, uma vez que o armazenam em sua biomassa.
No entanto, como organismos vivos, as plantas dependem de maneira crucial de outros fatores ambientais para sobreviver e prosperar.
Entre esses fatores, a disponibilidade de água é fundamental para a eficiência da absorção de carbono e também é essencial para determinar por quanto tempo o carbono é retido na biomassa.
Portanto, a progressão e a longevidade do sequestro de carbono em projetos de reflorestamento não podem ser adequadamente avaliadas sem também considerar as condições hidrológicas e os ambientes climáticos de cada local.
Assim, a vegetação que promove e sustenta um clima úmido pode também capturar e manter mais carbono em sua biomassa.
2. Esponja de água
Solos compactados absorvem pouca ou nenhuma água da chuva.
Chuvas sazonais ou episódicas que caem em solos impermeáveis são, portanto, perdidas em escoamentos superficiais, gerando inundações e drenando inutilmente para os oceanos.
A vegetação em geral, especialmente as árvores, são excelentes promotoras de infiltração. Capazes de perfurar profundamente o solo compactado com suas raízes, as árvores também criam uma camada de detritos orgânicos, formando um colchão de raízes que atrai e mantém uma ampla variedade de insetos escavadores e uma imensa população de organismos decompositores, que transformam o solo endurecido em uma terra fofa e fértil, capaz de reter umidade.
Além de uma série de benefícios hidrológicos, a água retida na paisagem promove a produtividade das plantas por um período prolongado e, portanto, contribui para a capacidade das plantas de condicionar e favorecer o clima.
3. Resfriamento do ar
As árvores bombeiam água do solo e emitem vapor d’água através da copa, aumentando a umidade do ar. Tal efeito, por mais estranho que pareça, resfria a superfície.
Uma caloria é uma medida da energia térmica necessária para aumentar a temperatura de 1 grama de água líquida em 1 grau Celsius.
Apenas 100 calorias são absorvidas para elevar uma grama de água de zero graus até o ponto de ebulição a 100 graus Celsius, enquanto cinco vezes mais energia é necessária para converter essa grama de líquido em gás (vapor).
Assim, a evaporação absorve eficientemente a energia térmica do ambiente, diminuindo a temperatura local.
As plantas transpiram em grandes quantidades durante o dia, chegando até 1000 litros por dia em uma árvore madura de grande porte em uma floresta tropical.
Esse tipo de “irrigação reversa” do ar pode ter o mesmo efeito de resfriamento que três aparelhos de ar condicionado de 36.000 BTUs/hora funcionando na capacidade máxima.
Em outras palavras, uma única árvore pode continuamente resfriar cerca de três casas de dois andares em um clima quente. 400 bilhões de árvores na Amazônia poderiam resfriar todos os prédios do planeta várias vezes.
4. Elevação e transporte de Calor
Ao contrário de uma unidade de ar condicionado comum – que absorve o calor interno de uma casa e o dissipa no ar externo próximo – a transpiração das plantas captura o calor do ambiente na superfície, armazenando-o em vapor de água.
Análogo a uma abelha carregada de pólen após visitar uma flor, o vapor d’água que sobe de uma floresta transpirante está carregado de calor latente absorvido da superfície.
E, assim como a abelha que voa por quilômetros até sua colmeia, o vapor d’água carregado de energia é transportado para altitudes maiores e para latitudes distantes na atmosfera.
O transporte de calor é uma parte extraordinariamente importante e necessária do efeito de resfriamento promovido pelas florestas.
5. Aquecimento que se transforma em resfriamento
O gás CO2 na atmosfera retém cerca de 20% do calor emitido pelo planeta.
O vapor d’água pode reter até 80% desse calor, variando bastante no espaço e no tempo.
À primeira vista, mais vapor d’água no ar não parece ser algo bom, pois agravaria o aquecimento global.
Mas isso só acontece se o vapor d’água permanecer estagnado no ar.
No entanto, diferente do CO2, o vapor na atmosfera se condensa e libera energia latente, desaparecendo da fase gasosa, portanto anulando seu efeito estufa.
A liberação de energia coloca os ventos em movimento e emite calor radiante.
6. Dissipação do calor
O calor radiante liberado durante a condensação do vapor d’água nas camadas altas da atmosfera escapa mais facilmente para o espaço do que o calor emitido pela superfície.
Isso ocorre porque existem menos gases que retêm o calor acima de certa altitude, em comparação com suas concentrações na baixa atmosfera.
O vapor d’água funciona como um elevador, pegando o calor da superfície e dissipando-o em níveis mais altos, assim resfriando o planeta.
7. Geração de chuvas amigas
O vapor d’água em condensação forma nuvens que eventualmente precipitam como chuva.
No entanto, para que o vapor d’água dissolvido no ar comece a se condensar, certas condições críticas devem ser atendidas, como uma temperatura suficientemente baixa e a presença de partículas no ar que funcionem como sementes de condensação, promovendo a aglutinação de moléculas de água gasosa em gotas líquidas.
As árvores liberam gases orgânicos – os cheiros voláteis – que se tornam fontes muito importantes de sementes de condensação. Dessa forma, as árvores fornecem todos os ingredientes necessários para a formação e regulação das chuvas.
8. Bomba biótica
A condensação do vapor d’água libera parte de sua energia latente na forma de redução de pressão.
Esse efeito mecânico forma e impulsiona correntes de ar de baixa altitude que funcionam como correias transportadoras, movendo matéria e energia ao redor do globo.
Esses movimentos são especialmente importantes no transporte de umidade dos oceanos para o interior dos continentes, assim como no transporte de calor das latitudes tropicais para os “radiadores planetários” localizados em ambos os polos.
As florestas são exímias promotoras da bomba biótica.
9. Domadoras de tormentas
As copas no dossel de florestas densas e irregulares forma uma barreira de vento muito eficiente, oferecendo um meio para que os ventos dissipem sua energia cinética, evitando assim a ocorrência de circulações energéticas como tornados e outros eventos destrutivos semelhantes.
10. Clima amigável e Seguro
A junção de todos os efeitos mencionados acima, além de muitos outros serviços ecologicamente mediados fornecidos pela vegetação em geral, e especialmente pelas florestas, resultará em um clima benéfico e hospitaleiro.

