O Brasil destruiu 18.962 km2 de Cerrado no biênio 2013 – 2015. A cada dois meses, nesse período, perdemos no bioma o equivalente à área da cidade de São Paulo. Já são mais de 10 anos com o desmatamento no Cerrado superando as taxas da Amazônia. Esse ritmo de destruição torna o Cerrado um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta.
Conhecida como o berço das águas do Brasil, a savana mais biodiversa do planeta já perdeu 50% de sua área original. Seguida essa trajetória, a destruição do Cerrado acarretará uma extinção massiva de espécies, segundo recente artigo publicado na Nature.
Além disso, a contínua conversão do Cerrado resultará em alterações no regime de chuvas na região, impactando a produtividade da própria atividade agropecuária, como já ocorre na Amazônia. O Cerrado estoca o equivalente a 13,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), e as emissões significativas de gases de efeito estufa decorrentes do processo de conversão do bioma impedirão o cumprimento dos compromissos internacionais do Brasil nas Convenções do Clima e de Biodiversidade.
A principal causa de desmatamento no Cerrado é a expansão do agronegócio sobre a vegetação nativa. Entre 2007 e 2014, 26% da expansão agrícola ocorreu diretamente sobre vegetação de Cerrado. Quando considerada somente a região do Matopiba – porções de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, que é a principal fronteira do desmatamento, 62% da expansão agrícola ocorreu sobre vegetação nativa. Em relação às pastagens, análises recentes apontam que, entre 2000 e 2016, 49% da expansão no Matopiba ocorreu sobre o Cerrado. Note-se que, muitas vezes, a área desmatada para pastagem torna-se, posteriormente, área de uso agrícola.
É desnecessário que esses dois setores continuem se expandindo sobre habitats naturais no Cerrado, especialmente considerando que há cerca de 40 milhões de hectares já abertos no Brasil com aptidão para a expansão da soja – principal cultura agrícola associada com o desmatamento. Ganhos modestos em eficiência na pecuária liberarão milhões de hectares para outros tipos de uso da terra.
A responsabilidade desse problema é compartilhada por todos os atores da cadeia produtiva, do produtor ao consumidor, incluindo traders, frigoríficos, empresas do varejo, investidores, indústria de insumos agrícolas e companhias de terras.
A busca por soluções capazes de frear rapidamente a destruição do Cerrado também é uma responsabilidade que precisa ser assumida por esses mesmos atores. E vale ressaltar que, embora importante, a aplicação da legislação ambiental, por si só, não será suficiente para garantir a conservação do bioma, já que permite a conversão legal de até 80% dos imóveis rurais.
O setor privado aprendeu que é possível produzir sem provocar novos desmatamentos diretamente associados à sua cadeia produtiva, como é o caso de sucesso da Moratória da Soja na Amazônia. A articulação e o trabalho colaborativo entre os diferentes elos da cadeia produtiva, contando com o apoio do governo e o acompanhamento da sociedade civil, foi o caminho trilhado na Moratória da Soja, e agora deve inspirar as ações no Cerrado. As Organizações da Sociedade Civil, abaixo assinadas, pedem uma medida imediata em defesa do Cerrado a ser tomada pelas empresas que compram soja e carne desse bioma, assim como os investidores que atuam nesses setores, no sentido de adotarem políticas e compromissos eficazes para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas naturais recentemente convertidas.
O governo brasileiro também precisa garantir que a lei e os compromissos internacionais assumidos sejam cumpridos, e espera-se que sejam criados instrumentos e políticas necessários para a melhor ordenação da atividade produtiva no Cerrado. Nesse sentido, a criação de áreas protegidas é primordial, bem como a garantia do direito à terra para povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores da região. É fundamental também que os dados oficiais de desmatamento do Cerrado sejam publicados anualmente, assim como já ocorre na Amazônia.
Incentivos e instrumentos econômicos devem ser desenvolvidos, tanto pelo governo como pelo setor privado, no sentido de recompensar o esforço de produtores em conservar áreas de vegetação nativa mesmo que elegíveis ao desmatamento legal.
Esse esforço coletivo e multissetorial possibilitará a conciliação da continuidade da produção, com o desenvolvimento de uma economia diversificada na região, garantindo direitos e renda a comunidades locais e a devida proteção dos valiosos ecossistemas naturais do Cerrado.
Signatários do manifesto
- WWF-Brasil
- Greenpeace Brasil
- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
- Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)
- The Nature Conservancy (TNC)
- Earth Innovation Institute (EII)
- Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
- Conservação Internacional – Brasil (CI-Brasil)
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi)
- Iniciativa Verde
- APREC Ecossistemas Costeiros
- Fundação Avina
- Engajamundo
- GeoLab/USP
- Lagesa/UFMG
- Lapig/UFG
- PHS
- Instituto Centro de Vida (ICV)
- Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
- Instituto Socioambiental (ISA)
- Fundação Pró-Natureza (Funatura)
- Conservação Estratégica (CSF-Brasil)
- Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda)
- LABAQUAC/Projeto Hippocampus
- Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
- Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
- Instituto BVRio
- Instituto o Direito por um Planeta Verde
- Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
- Wildlife Conservation Society – Brasil (WCS-Brasil)
- Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam)
- Instituto Çarakura
- Fundação Biodiversitas
- Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham)
- National Wildlife Federation (NWF)
- Ecoa – Ecologia e Ação
- Rede GTA
- Grupo Desmatamento Zero
- Observatório do Código Florestal
- Observatório do Clima
Leia este documento na integra: Manifesto do Cerrado