Por: Ana Marina Martins de Lima
A toxoplasmose é uma zoonose de ampla distribuição geográfica, sendo encontrada em todos os continentes dos mais variados climas, com variabilidade da freqüência e gravidade de infecção, ligada a diversos fatores, tais como: padrões culturais da população, hábitos alimentares, faixa etária, e procedência urbana ou rural sendo a dispersão do parasita que se dá por vários mecanismos de transmissão; ingestão de cistos presentes em carnes cruas ou mal cozidas, ingestão de oocistos presentes em fezes de felinos que contaminam alimentos e água, manipulação de terra contaminada com oocistos entre outros (AMENDOEIRA, 2003).
A toxoplasmose possui grande importância na saúde pública, sendo suas principais ocorrências os partos prematuros e nascimentos de indivíduos assintomáticos ou com problemas oculares, lesões de pele e alterações cérebro espinhal, estas ocorrem em indivíduos imunocompetentes e em pacientes imunossuprimidos, em decorrência da reativação de formas císticas encontradas em indivíduos com infecções prévias NEVES,1995).
Segundo o Ministério da Saúde entre novembro de 2001 e janeiro de 2002, o Brasil registrou o maior surto de toxoplasmose do mundo, ocorrido no município de Santa Isabel do Ivaí – Paraná. Um total de 462 pessoas apresentou sorologia sugestiva para toxoplasmose (IgM reagente). Dentre os acometidos 07 eram gestantes e destas, 06 tiveram seus filhos infectados. A investigação epidemiológica concluiu que a fonte de contaminação era um dos reservatórios de água da cidade que estava contaminada por fezes de um gato que estava eliminando oocisto de toxoplasma. No caso citado, segundo Moura (2006) para diagnóstico clínico foram utilizadas técnicas de ELISA e de PCR.
Amendoeira et al (2003), realizou um estudo sorológico para a infecção por Toxoplasma gondii em ameríndios isolados no Mato Grosso, os Enawenê – Nawe, que habitam uma vasta região selvagem, com raros contatos com não índios e não apresentam animais domésticos, inclusive gatos; a análise sorológica foi realizada por meio de ELISA – IgG e IFI – IgG e IgM; de 148 soros 80,4% forma ELISA ou IFI -0 IgG positivos. Não foram detectados casos de IgM reagentes; sugere-se que a presença de felinos silvestres nas imediações da aldeia e coleções de água poderiam ter um papel importante como fonte de infecção.
A criptosporidíase, outra infecção transmitida pela água, é uma preocupação para a saúde pública por afetar a qualidade de vida, existir cada vez maior número de indivíduos em terapia com imunosupressores, haver um aumento no número de pacientes com SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), não existir droga eficaz e não haver nenhuma remoção eficaz oocistos da água de abastecimento. A criptosporidíase, causada pelo Cryptosporidium spp, é conhecida por sua ocorrência na população humana e animal. Em pacientes imunodeprimidos, no Brasil de 1980 a 1997, foram detectados 2.842 casos entre os pacientes portadores de SIDA, sendo as regiões Norte e Nordeste do país as mais afetadas, mas indivíduos assintomáticos também podem ter a doença (LIMA& STANFORD, 2003).
A descrição do primeiro caso de criptosporidíase humana ocorreu em San Antonio, no Texas, em 1984 e o segundo maior surto norte-americano ocorreu em Carrolton, Georgia, em 1987, onde aproximadamente 13.000 pessoas foram afetadas, em 1988. Em Ayrshire, no Reino Unido, um acidente envolvendo uma pós-contaminação no reservatório de água de abastecimento infiltração de dejetos de bovinos utilizados como fertilizantes provocou um surto de grande importância devido ao número de internações (44,4%) e em abril de 1993, ocorreu o maior surto até então registrado nos EUA, em Milwaukee, Wisconsin, afetando 400.000 pessoas, ficando assim evidente que oocistos de Cryptosporidium podem sobreviver aos processos convencionais de tratamento da água (LIMA & STANFORD, 2004).
Vários surtos da doença foram atribuídos ao consumo da água contaminada, sejam elas submetidas ou não ao tratamento por cloro ou outros processos de decantação e flotação tais como coagulação, sedimentação e filtração de areia.
A criptosporidíase está relacionada à imunidade do hospedeiro deu-se maior importância ao estudo do Cryptosporidium spp. Pacientes portadores do vírus do HIV com células CD4 acima de 200 células/mm3 são capazes de eliminar a infecção, mas aqueles com menos de 100 células CD4/mm3 podem apresentar má absorção de nutrientes e diarréia crônica severa podendo ser letal, além de imunocomprometidos, a criptosporidíase ainda pode afetar crianças de 0 a 5 anos de idade, idosos, desnutridos e pacientes que fazem hemodiálise ou quimioterapia (GOMES, et al, 2002; ROUQUARYON & NOAMAR, 2003).
De acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo (CVE, 2006), em surtos de diarréia ocorridos no período de 2000 a 2005, cerca de 80% foram devido a alimentos contaminados, e quase 10% à água, e dentre estes, 2%, foram atribuídos a problemas ocorridos no sistema de distribuição da água pública ou cloração inadequada. Os agentes etiológicos encontrados nos surtos associados à água são mais frequentemente parasitas como Cryptosporidium e Giárdia.
Os potenciais riscos à saúde humana decorrentes da presença dos protozoários na água de abastecimento tiveram sua expressão na Portaria 518 de 2004 (Ministério da Saúde), que estabelece os padrões de qualidade da água para ingestão humana. Nesse instrumento, a turbidez é assumida como parâmetro de natureza sanitária, assumindo-se com um índice de contaminação, sendo que sua ausência mostra maior eficiência da desinfecção na eliminação de bactérias e vírus e por outro, é indicativa da remoção de oocistos de protozoários pela filtração. São recomendados reduzidos valores (0,5 UNT) para água filtrada, como precaução para assegurar a adequada eficiência de remoção de enterovírus, cistos de Giardia spp e oocistos de Cryptosporidium sp em instalações compostas por filtros rápidos. (HELLER, et al 2004 ).
REFERÊNCIAS
AMENDOEIRA, Maria Regina Reis, SOBRAL, Cleide Aparecida Queiroz, TEVA, Antonio et al. Inquérito sorológico para a infecção por Toxoplasma gondii em ameríndios isolados, Mato Grosso. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Nov./Dec. 2003, vol.36, no. 6, p.671-676. ISSN 0037-8682. Disponível em:
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