Conhecimento sobre segurança química precisa ser disseminado Mesa de debates no quarto dia da Semana da Segurança Química 

Por ACS/ Cristiane Reimberg em 26/10/2017

Não é possível pensar a segurança química sem levar em consideração os impactos que os produtos químicos causam à população, à saúde e ao meio ambiente. Mas essas informações chegam à sociedade? Em casos de acidentes, a questão se torna ainda mais preocupante, pois toda a comunidade pode ser atingida. Para mudar este cenário, é preciso investir em educação, de forma a disseminar esse conhecimento. Para refletir sobre essas questões, a Fundacentro realizou o “Seminário Segurança Química, Educação e Comunidade”, em 19 de outubro, como parte da Semana da Segurança Química, realizada na sede da instituição em São Paulo/SP.

“Para construir uma cultura de prevenção e desconstruir conhecimentos enraizados, que evoluíram e tomaram outro caminho, o processo educativo é fundamental”, afirma o coordenador do Seminário, Cleiton Faria Lima. “Esse conteúdo não precisa ser uma disciplina nova e sim uma abordagem de forma interdisciplinar e transversal, em todas as disciplinas, em todos os níveis”, completa.

Na avaliação do coordenador da Semana da Segurança Química, Fernando Sobrinho, os professores de cursos técnicos e profissionalizantes são ótimos multiplicadores. Neste sentido, a Fundacentro está desenvolvendo um convênio com o Centro Paula Souza, no estado de São Paulo, para capacitar os docentes na área de segurança química. Outras iniciativas para capacitação têm sido desenvolvidas no estado do Rio de Janeiro pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, Newton Richa. Ambos coordenam as ações do Grupo de Trabalho de Educação da Comissão Nacional de Segurança Química – Conasq.

Além dos muros

Uma das primeiras questões abordadas foi o atendimento a emergências realizado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, que atende ocorrências de acidentes químicos. O químico Agnaldo Vasconcellos, que trabalha na instituição, ministrou a palestra “Segurança Química: educação, comunidade e emergências”, mostrando alguns casos atendidos e como falta informação sobre o tema tanto entre os trabalhadores como na comunidade do entorno das empresas.

“Precisamos de educação em segurança química para disseminar esse conhecimento desde a idade mais tenra até a graduação. Precisamos ter conhecimento sobre a segurança com substâncias químicas”, afirma Vasconcellos. Como os acidentes com produtos químicos podem ter impactos na comunidade, é preciso que essas informações sejam disseminadas além dos muros das empresas.

O uso de venenos agrícolas para combater praga é outro problema que atinge trabalhadores e impactam o meio ambiente e a sociedade como um todo. O engenheiro agrônomo, Clóvis Meirelles, tecnologista aposentado da Fundacentro, foi o responsável por tratar desse tema. As medidas de controle às pragas devem priorizar, na seguinte ordem, boas práticas agrícolas, controle biológico, controle físico e controle químico.

Os venenos agrícolas são tóxicos, contaminam o solo, águas superficiais e subterrâneas e contribuem apenas em 10% no combate às pragas e às doenças. Não são aplicados preventivamente ou de acordo com calendário pré-estabelecido. Outro problema é que acumulam na cadeia biológica. Os herbicidas são os mais utilizados, 59,2% do total dos venenos agrícolas utilizados no Brasil, 19% são inseticidas, 12,4 de fungicidas, 1,7% de acaricidas, e o restante de outros tipos.

Ultrapassar os muros significa levar informações a todos atores sociais, chegando às comunidades urbanas e rurais, como mostraram os dois primeiros palestrantes, mas também é preciso chegar às escolas. Um importante agente é a universidade. Para mostrar experiências nesse sentido, o professor do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo), Reinaldo Bazito realizou uma apresentação no evento.

Bazito explicou que não existe uma política institucional de segurança e saúde ocupacional na USP, onde as ações na área são pontuais. No entanto, ele percebeu a necessidade de ações que levassem segurança química aos funcionários, alunos e visitantes no Instituto de Química e que ao mesmo tempo fomentasse a educação na área. Para tanto, foram realizadas a desobstrução dos espaços, criação e treinamento de uma brigada de incêndio, realização de workshops e cursos abordando GHS, segurança e emergências. A temática segurança química também foi incorporada em disciplinas e levada aos dirigentes da universidade.

Ações educativas

No período da tarde, o Seminário trouxe palestras que apresentaram iniciativas de educação promovida por diferentes atores. A representante do Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimento Social, Zuleica Nycz, abordou o papel das ONGs em relação à segurança química, educação e comunidade.

Nycz defende que “ONGs, movimentos sociais, comunidades, cientistas e pesquisadores, sindicatos e associações civis de diferentes temáticas têm a responsabilidade de trazer – e defender – a diversidade de pontos de vistas para os espaços políticos onde as decisões políticas são tomadas e pressionar para que sejam colocadas em prática em benefício da sociedade”.

Outro aspecto importante é o acesso fácil e irrestrito à informação, aos mecanismos de controle social e à participação paritária nas tomadas de decisão de interesse público. Para tanto, é preciso que haja uma educação qualificada para todos os cidadãos. Atuando nas questões de meio ambiente e segurança química, Zuleica Nycz avalia que seria bom se mais ONGs abordassem este tema para aturem em conjunto.

“Não temos muitas ONGs atuando no Conama. Existem desigualdade e diferença de pensamento. A questão da segurança química deveria ser alçada nas agendas dos governos municipais, estaduais e federal. Na Conasq, tentamos fazer isso”, relata Nycz.

Já o papel sindical foi apresentado pelo diretor do Sindipetro Unificado de São Paulo, Itamar Sanches, que tem a tarefa “solitária” de representar todos os trabalhadores do país na Conasq. A saúde e segurança dos trabalhadores é um direito constitucional, e os sindicatos devem atuar em prol da implementação desse direito.

Sanches citou a participação dos trabalhadores na elaboração do Anexo 13 A da NR 15 (Atividades e Operações Insalubres), publicado em dezembro de 1995, que regulamenta “ações, atribuições e procedimentos de prevenção da exposição ocupacional ao benzeno, visando à proteção da saúde do trabalhador, visto tratar-se de um produto comprovadamente cancerígeno”. Outra conquista foi o Anexo 2 sobre exposição ocupacional ao benzeno em postos revendedores de combustíveis, da NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), publicado em setembro de 2016.

Também é papel do sindicato garantir o direito de recusa, colocando-o como cláusula de acordos coletivos e levando o tema ao conhecimento dos trabalhadores. “Em um trabalho de risco grave e eminente, eu não faço. O nosso maior bem é a nossa saúde”, afirma. “O papel do sindicato também é orientar os trabalhadores. Em uma conjuntura de desemprego, o trabalhador faz qualquer coisa. Temos que informar os trabalhadores e a comunidade”, completa Itamar Sanches.

A questão da educação ainda foi discutida a partir da óptica de instituições governamentais. Assim a gerente da Coordenação de Educação da Fundacentro, Sonia Bombardi, apresentou as ações educativas da instituição na Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST. Essa Política e o Plansat (Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho) são os marcos legais dessa atuação.

A PNSST estabelece a necessidade de “reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores”. Também coloca que é responsabilidade da Fundacentro “executar e desenvolver ações educativas sobre temas relacionados com a melhoria das condições de trabalho nos aspectos de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho”.

Já o Plansat, no objetivo 7, trata da capacitação e educação continuada em SST. Uma das estratégias é a “inclusão de conhecimentos básicos em prevenção de acidentes e SST nos Currículos do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Privada”.

A Fundacentro defende que esta inclusão ocorra transversalmente. Para tanto, atua no grupo de educação ligado à CT-SST (Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho), na realização de ações e produção de materiais relativos ao Dia Nacional de Segurança e Saúde nas Escolas (10 de outubro), no envio de contribuições para a Base Nacional Comum Curricular do MEC (Ministério da Educação) em 2016 para a inclusão de conteúdo sobre “trabalho” e “saúde” de forma transversal.

Em 2017, a Fundacentro atuou junto a Secretaria de Educação Tecnológica e Profissionalizante do MEC. Também tem buscado parceria para validar a inserção de conteúdos de SST e implementar a capacitação de professores sobre o tema de forma semipresencial. Em relação à segurança química, a atuação se dá no GT sobre educação da Conasq e na elaboração de Termo de Referência de Educação em Segurança Química.

O Projeto Educação em Segurança Química da Conasq foi detalhado pelo professor da UFRJ, Newton Richa. O objetivo do Termo de Referência de Educação em Segurança Química é “propor estratégias para o desenvolvimento e consolidação de uma Cultura de Segurança Química compatível com as necessidades da sociedade brasileira, como base para a prevenção e o controle dos efeitos adversos dos produtos químicos, em todas as fases dos respectivos ciclos de vida”.

O documento estabelece que “a Educação em Segurança Química deve abranger todos os processos permanentes de aprendizagem e formação individual e coletiva para reflexão e construção de valores, saberes, conhecimentos, habilidades, atitudes competências, visando à melhoria da qualidade de vida e uma relação sustentável da sociedade humana com os produtos químicos, indispensáveis ao atual modelo da civilização”.

Esse Termo de Referência está alinhado às diretrizes da Unesco para a Educação no Século XXI colocadas no documento “Educação – Um Tesouro a Descobrir”. As recomendações visam um processo educativo voltado à formação de cidadãos éticos, solidários e competentes, que se baseia em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Assim se devem desenvolver as competências cognitiva, produtiva, social e pessoal.

Ampliação dos debates

A última atividade do “Seminário Segurança Química, Educação e Comunidade” foi uma mesa de debate com o público presente, intitulada “Educação, capacitação e difusão de informações em Segurança Química no Brasil e a Agenda do Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030”. Newton Richa, Clóvis Meirelles, Fernando Sobrinho, Reinaldo Bazito, Zuleica Nycz e Cleiton Faria Lima esclareceram as dúvidas dos participantes e refletiram sobre ações para construir uma educação efetiva em segurança química.

O evento também mobilizou o Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos agrotóxicos e transgênicos, que construiu o documento “O Glifosato é um problema de Saúde Pública” para os participantes da Semana da Segurança Química. O texto reconhece a importância da Semana da Segurança Química “para manifestação e informação sobre o risco dos produtos químicos incluindo-se os agrotóxicos e de alternativas salubres ao trabalhador e meio ambiente bem como formas didáticas de educação para população e trabalhadores”.

Também alerta que os fabricantes do Glifosato, um pesticida presente no Roundup, tendem a incrementar estoques de agrotóxicos em países como o Brasil devido ao banimento em outros países. Entre as sugestões apresentadas estão a adoção da nomenclatura venenos agrícolas, questão defendida durante a apresentação de Clóvis Meirelles, e “a análise de atividades de aplicação e uso de venenos agrícolas por mulheres em função do efeito teratogênico dos produtos já determinados em literatura científica”.

Leia: O Glifosato é um problema de Saúde Pública

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