Podemos enfrentar os conflitos e a mudança climática juntos

Por Jorge Moreira da Silva* Diretor executivo do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS)

Líderes mundiais estiveram reunidos nos Emirados Árabes Unidos para discutir o plano de ação urgente que nosso mundo precisa para corrigir o curso, se quisermos cumprir a meta do Acordo de Paris sobre o Clima de manter o aumento da temperatura global em 1,5 °C.

Embora as questões de mitigação, adaptação e financiamento climático sejam o foco principal, a COP28 está, sem dúvida, afetada pelo clima de conflito na região. As hostilidades em Gaza continuam a ocupar corações, mentes e ondas sonoras, além de consumir energia diplomática e atenção na região e no mundo todo.

Mas assumir que os conflitos dificultam o foco no clima é uma narrativa falsa. Não se trata de uma coisa ou outra, simplesmente porque as duas questões estão profundamente interligadas. O conflito piora os efeitos da mudança climática, e a mudança climática, a perda de biodiversidade e a degradação ambiental estão tornando nosso mundo cada vez mais frágil, e indiretamente, alimentando conflitos

Cerca de 90% de todos os refugiados são originários de países que estão na linha de frente da emergência climática. A maioria dos refugiados do mundo vem de apenas cinco países: Afeganistão, Mianmar, Síria, Sudão do Sul e Venezuela. Esses países também estão entre os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.

Também no deslocamento, os refugiados estão desproporcionalmente expostos a riscos relacionados ao clima. Os países classificados como altamente vulneráveis aos efeitos da crise climática abrigam 20% da população mundial, mas recebem mais de 40% dos refugiados

Deixar de agir em relação ao clima é deixar de construir uma paz sustentável. E, para as comunidades já vulneráveis, cada choque, seja um desastre induzido pelo clima ou o próximo conflito, cria mais ciclos de vulnerabilidade, tornando-as menos capazes de lidar com a próxima criseO fato de as pessoas em ambientes frágeis e afetados por conflitos serem frequentemente deixadas para trás pelas ações climáticas exige atenção urgente. Esse não deveria ser o caso.

Isso significa mais coerência entre o financiamento e a assistência que são atribuídos à ação climática, ao desenvolvimento, às atividades humanitárias e de paz e segurança. Significa trabalhar para garantir que o financiamento climático esteja em vigor e que chegue aos locais afetados por conflitos, além de trabalhar com as comunidades e os governos para criar um ambiente propício para a ação climática. Significa trabalhar mais para garantir que a prevenção de conflitos seja sensível ao clima e que a ação climática seja sensível ao conflito. Mas o que isso implica na prática?

A organização que dirijo – UNOPS – tem foco em operações nos pilares humanitário, de desenvolvimento e de paz e segurança. Implementamos projetos em nome das Nações Unidas, de governos e de outros parceiros, com base em conhecimentos especializados em infraestrutura, aquisições e gerenciamento de projetos. Este ano, cerca de metade das entregas globais do UNOPS foi feita em contextos frágeis e afetados por conflitos. Como organização, temos o compromisso de apoiar todos os países em seus esforços para enfrentar a crise climática e impulsionar o desenvolvimento resiliente ao clima. Em contextos frágeis e afetados por conflitos, nossa experiência demonstra diretamente a centralidade da ação climática na construção das condições para que a paz duradoura e o desenvolvimento sustentável prosperem.

Essa experiência é respaldada por pesquisas – realizadas pelo UNOPS e pelo Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais – que mostraram que a infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente desempenha um papel fundamental não apenas na promoção do desenvolvimento econômico, mas também na abordagem das causas básicas da violência e na prevenção de conflitos

Tomemos o Iêmen como exemplo. Um dos países mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas e onde anos de conflito prejudicaram gravemente o fornecimento de serviços públicos, inclusive eletricidade, com consequências devastadoras em todos os aspectos do desenvolvimento humano. Lá, com o financiamento do Banco Mundial, trabalhamos com parceiros locais para fornecer eletricidade solar autônoma para escolas, hospitais, ruas e residências. O impacto desse trabalho vai além da restauração do acesso a serviços urbanos essenciais para 1,4 milhão de iemenitas. Significa criar resiliência e apoiar uma economia local investida em sustentabilidade. Por meio da colaboração com o setor privado local, incluindo instituições de microfinanciamento, o UNOPS ajudou a desenvolver o mercado de energia solar fotovoltaica em pequena escala no país.

Da mesma forma, antes da escalada da violência nas hostilidades no Oriente Médio e em resposta à escassez crônica de eletricidade em Gaza, o UNOPS trabalhou para permitir o acesso à eletricidade e aos serviços de saúde por meio de soluções de energia renovável. Um exemplo desse trabalho foi a instalação de um sistema solar híbrido no Hospital Europeu de Gaza, que atende a cerca de 100.000 pessoas.

No Haiti, onde a vulnerabilidade climática, a violência desenfreada das gangues e a crise de fome tornaram a vida de muitos cidadãos um “pesadelo”, trabalhamos, juntamente com o Banco Mundial e o governo, para fornecer uma fonte de energia limpa e confiável aos hospitais de todo o país. Esse trabalho é particularmente importante quando se considera que menos da metade da população do Haiti tem acesso à eletricidade, e sabemos que as intervenções de saúde, quando realizadas de forma sensível ao conflito, podem contribuir para sociedades pacíficas.

No Sudão do Sul, o conflito em andamento, a crise climática e uma seca devastadora significam que dois terços da população – mais de 7,7 milhões de pessoas – estão enfrentando níveis de fome de crise ou piores. Nesse caso, temos trabalhado com parceiros como a União Europeia (UE) e o Banco Mundial para melhorar a segurança alimentar e aumentar a resiliência. Para apoiar o comércio, trabalhamos com a UE na construção de mercados e mais de 170 quilômetros de estradas de acesso. Construídas com materiais locais, as estradas ajudaram os agricultores de áreas remotas a se conectarem aos centros de mercado, beneficiando as empresas locais e aumentando a sensação de segurança na área.

A conclusão é que um futuro melhor para as pessoas e para o planeta exige uma ação climática que não deixe ninguém para trás. Para as pessoas em contextos frágeis e afetados por conflitos, essa ação precisa ser ainda mais rápida. Em um momento de crises cada vez maiores em todo o mundo, vamos priorizar a ação climática que promova a paz.

Foto por Vincent M.A. Janssen em Pexels.com

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