Por Ivan Maglio*

O Projeto de Lei 2.159/2021, aprovado na madrugada de 17/07/2025 após tramitação controversa, instituirá a primeira Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil. O texto pretende unificar nacionalmente procedimentos hoje fragmentados entre normas federais e estaduais, respondendo à demanda por maior “segurança jurídica” e agilidade para setores produtivos, como o agronegócio, mineração e infraestrutura. No entanto, especialistas, órgãos ambientais e entidades científicas apontam impactos ambientais, institucionais e jurídicos de grande magnitude.
O Projeto de Lei 2.159/2021 representa uma das maiores reformas – e retrocessos – no licenciamento ambiental brasileiro desde a criação da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O texto aprovado agravou preocupações de órgãos técnicos, da comunidade científica e da sociedade civil ao flexibilizar normas, desestruturar critérios técnicos e reduzir drasticamente a participação de instituições especializadas na avaliação e prevenção de impactos ambientais.
Principais Mudanças Introduzidas
Ampliação da Autodeclaração (LAC): Cerca de 90% dos licenciamentos ambientais passarão a ser concedidos por autodeclaração, sem análise técnica prévia de órgãos ambientais. Inclui atividades agropecuárias, obras viárias e de infraestrutura, e empreendimentos de médio impacto.
Dispensa de Licenciamento para o Agronegócio: Atividades agropecuárias tradicionais são isentas de licença ambiental, desde que inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que representa uma das demandas históricas da bancada ruralista.
Redução do Papel de Órgãos Técnicos: O ICMBio e outros órgãos perdem a obrigatoriedade de manifestação prévia e vinculante, inclusive em Unidades de Conservação (UCs) federais e zonas consideradas sensíveis.
Flexibilização em Territórios Sensíveis: Para UCs sem zona de amortecimento definida, ou áreas indígenas não homologadas, sequer é exigido parecer dos órgãos especializados, facilitando instalações de projetos potencialmente danosos em limites dessas áreas.
Desvinculação da Outorga de Água e Solo: O licenciamento ambiental não está mais condicionado à apresentação prévia de documentos que provem uso regular de recursos hídricos ou do solo, rompendo a lógica integrada da gestão desses bens.
Implicações para as Unidades de Conservação (UCs) no Brasil
Fragilização do ICMBio: O Órgão gestor deixa de autorizar previamente licenciamentos em UCs federais.
Poder de veto substituído por opinião formal: A manifestação dos órgãos passa a ser “não vinculante” e, em vários casos, sequer é exigida. Riscos para áreas não regularizadas UCs e terras indígenas ainda não regularizadas ficam vulneráveis ao avanço de grandes empreendimentos.
Autolicenciamento em áreas sensíveis: As obras estratégicas (petróleo, mineração, infraestrutura) poderão ser licenciadas em fase única (LAE).
Supressão de APPs e Reservas Legais – Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012): As medidas de compensação e análise prévia de impactos são dispensadas ou reduzidas em atividades dispensadas.
Avaliação Crítica e Riscos Identificados
Retrocesso Ambiental: O PL é apontado como o mais grave enfraquecimento do sistema nacional de proteção ambiental em décadas. Atividades com alto potencial poluidor terão menos exigências, intensificando desmatamento, perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa.
Judicialização e Insegurança Jurídica: A descentralização excessiva, sem padrões mínimos nacionais claros, pode levar a conflitos normativos, competição por flexibilizações e aumento significativo de ações judiciais entre entes federativos.
Riscos à Saúde e Direitos Humanos: A simplificação processual reduz avaliações de riscos ambientais, sociais e à saúde pública, expondo populações a poluição, contaminação e desastres socioambientais2.
Violação de Acordos Internacionais: O projeto afronta a Constituição Federal (ao fragilizar proteção de UCs e consulta a povos tradicionais) e compromissos como o Acordo de Paris e a Convenção 169 da OIT.
Desligamento da Agenda Climática: O texto ignora expressamente a variável “clima”, deixando de integrar a análise de impactos sobre mudanças climáticas e vulnerabilidade hídrica.
Risco de Novas Tragédias: Organizações e especialistas comparam a retirada de controles e condicionantes com fatores que antecederam tragédias como Mariana e Brumadinho, alertando para o risco de novos desastres em áreas sensíveis.
De forma praticamente desesperada Deputados utilizaram argumentos técnicos, citam a Constituição, afirmam que o texto da PL não deve ser motivo para “votação” uma vez que o texto é matéria e objeto de trabalho do Ministério do Meio Ambiente e do Clima; trabalho de órgãos ambientais e afirmam que o horário de votação excluiu brasileiros interessados no tema com minoria de deputados presentes alegando que os deputados estavam “dormindo” esperando que seus assessores ligarem para eles “apertarem o botão”. Situação “vergonhosa” que para um tema que envolve a VIDA HUMANA e a preservação da BIODIVERSIDADE, bem como compromete a POLÍTICA INTERNACIONAL DE MUNDANÇAS CLIMÁTICAS. As alterações se realizadas influenciam negativamente nas atividades das estâncias jurídicas de processos já existentes e comprometem todos os profissionais que atuam nas áreas ambientais e que se dedicam suas vidas a anos para proteger nossas vida , fatores que complementam argumentos técnicos já publicados neste meio. Ana Marina Martins de Lima*Autora /Site Ambiente do Meio
Considerações Finais
O PL 2.159/2021 representa uma ruptura drástica com o modelo de proteção ambiental brasileiro, substituindo critérios técnicos por procedimentos autodeclaratórios e reduzindo drasticamente o papel de especialistas e órgãos reguladores. Apesar de prometer racionalidade e eficiência, o projeto cria uma estrutura propensa à degradação ambiental acelerada, insegurança jurídica e exposição direta de áreas e populações a riscos ambientais e sociais inéditos na história recente do Brasil.
A comunidade científica, ambientalistas e órgãos federais demandam veto total ao texto, considerando-o incompatível com os compromissos nacionais e internacionais de sustentabilidade e proteção dos biomas brasileiros.
Por fim e de altíssima gravidade, a Lei aprovada afronta o Art. 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. O Projeto de Lei é, portanto, inconstitucional!
A aprovação do PL 2.159/2021, na análise do ICMBio, aprofunda vulnerabilidades ambientais ao enfraquecer os instrumentos de prevenção, fiscalização e controle, além de afastar o país das melhores práticas mundiais de proteção socioambiental e comprometer a liderança brasileira em fóruns climáticos globais.
Referências:
Repórter Brasil – https://reporterbrasil.org.br/2025/05/pl-da-devastacao-aprovado-no-senado-o-que-muda-no-licenciamento-ambiental/
Brasil de Fato –https://www.brasildefato.com.br/2025/07/17/pl-da-devastacao-que-dispensa-agronegocio-de-licenciamento-ambiental-e-aprovado-na-camara/
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/projeto-de-lei-do-licenciamento-ambiental-desestrutura-regramento-e-viola-constituicao-federal
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/noticias/ultimas-noticias/projeto-aprovado-pela-camara-dos-deputados-fragiliza-protecao-de-unidades-de-conservacao-federais
- Doutor em Saúde Ambiental e Pós Doutor pelo IEA e FAU-USP. Superintendente do Instituto Panamericano de Meio Ambiente – IPAM e Diretor da PPA – Política e Planejamento Ambiental.



